A legítima defesa de terceiros como instrumento de aplicação dos direitos humanos no âmbito penal
19 de abril de 2021RESUMO: A legítima defesa, excludente de ilicitude, é um dos institutos penais mais conhecidos. Suas características básicas se encontram sempre ditadas em canais de comunicação nas sociedades em todo o mundo. É um ato que se confunde com a própria existência humana por se tratar de um ato de defesa, o que ainda é extensiva para terceiros. Todavia, apenas se falam desse instituto em fins penais, mas se faz necessário um estudo sobre os direitos básicos que envolvem a legítima defesa. Portanto, esse estudo tem como finalidade demonstrar como a legítima defesa pode ser um instrumento de aplicação dos direitos humanos no âmbito penal através de uma compreensão de dados bibliográficos levantados.
PALAVRAS-CHAVE: Legitima; Defesa; Instrumento; Direito.
ABSTRACT: Self-defense, excluding illegality, is one of the best known criminal institutes. Its basic characteristics are always dictated in communication channels in societies around the world. It is an act that is confused with human existence itself because it is an act of defense, which is still extensive for third parties. However, only this institute is spoken of in criminal purposes, but it is necessary to study the basic rights involving self-defence. Therefore, this study aims to demonstrate how self-defense can be an instrument for the application of human rights in the criminal sphere through an understanding of bibliographic data collected.
KEY-WORDS: Legitimizes; Defense; Instrument; Right.
INTRODUÇÃO
O Direito é uma ciência que estuda e regula as relações humanas em sociedade. Essas relações entre si são capazes de criar conflitos dos quais causam lesões ao que estipulamos como regras e noções básicas de direito inerente a todos os seres humanos. Em razão disso, o Estado tornou-se ao longo dos anos o garantidor de proteção ao direito e com isso é aquele que irá impor as sanções para aqueles que causaram essas lesões. Diante desse cenário, em determinadas situações o Estado não consegue cumprir na totalidade com seu papel de garantidor, haja vista não conseguir se fazer presente em todos os lugares e em todos os momentos do cotidianos.
Diante dessa falha, surge a abertura legal para que haja uma defesa por parte da pessoa que esta tendo seu direito lesado. A essa defesa damos o nome de legítima defesa. Historicamente, a legítima defesa acompanha o homem em sua evolução natural, como algo surgido em seu próprio extinto. Em sociedade, o homem está submetido a diversos atos e atitudes do próximo que pode lhe causar dano, mediante isso, o agredido pode se defender observando os limites impostos para a devida regulamentação dessa defesa.
Assim, podemos conceituar a legítima defesa como uma forma de proteção que o próprio agredido possui seguindo alguns requisitos, quais sejam, a agressão tem que ser atual e está acontecendo ou prestes a acontecer sob pena de não se enquadra nesse instituto e de modo que pode se caracterizar como vingança. Também se faz necessário uma proporcionalidade dos meios que o agredido usa para cessar a lesão ao seu direito.
Mas, o que também pode ocorrer é o agredido não conseguir cessar a agressão sofrida. Todavia, o ordenamento jurídico estende o uso da defesa de forma legitima àquelas pessoas que se encontram de fora da agressão, mas que com o intuito de proteção age em defesa a um terceiro. Neste caso, qualquer pessoa que consiga distinguir o que está acontecendo na determinada ocasião pode agir em legítima defesa.
Desta forma, a legítima defesa é um instituto penal que está inserida no cotidiano da sociedade e das relações humanas, de modo que se faz necessário pensá-la como um instrumento de direito no âmbito penal, mas não somente isso mas os direitos garantidos a todos os seres humanos. Portanto, este estudo tem como objetivo principal demonstrar como o instituto da legítima defesa é um instrumento de aplicação dos direitos humanos na esfera penal mediante uma analise dos dados bibliográficos levantados.
Assim, compreenderemos a concepção desse instituto no sistema penal brasileiro, embasando sua fundamentação e entendimento na doutrina e no código penal; demonstraremos quais são os direitos fundamentais e direitos humanos aplicados a esse instituto e por fim apontaremos como a legítima defesa de terceiros é um instrumento de aplicação dos direitos humanos no direito penal.
1. A CONCEPÇÃO PENAL DA LEGÍTIMA DEFESA NO ORDENAMENTO JURIDICO BRASILEIRO
Para se compreender o conceito e a concepção jurídica do instituto da legitima defesa, se faz necessário conhecer o que é penalmente um crime. Crime é, segundo a doutrina majoritária e a teoria tripartite, um fato típico, antijurídico e culpável. Em outras palavras, existe uma conduta – que é uma ação ou omissão humana – devidamente tipificada no rol penal que é considerada contra a lei penal e é possível apontar culpa a alguém, sendo possível a imposição de uma penalidade por esse descumprimento das regras legais que regem a sociedade, no tange a matéria penal.
É possível definir através da teoria tripartite que o crime se resume a tipicidade, a antijuridicidade – também chamada de ilicitude – e a culpabilidade. Assim, para que uma conduta seja considerada crime, deve existir uma perfeita subsunção da conduta a esses três pressupostos, de modo que caso não haja esse encaixe ou a conduta se amolde a uma das excludentes possíveis, logo não haverá crime. Mediante esses três elementos básicos de compreensão do crime que podemos identificar onde estar localizada a legitima defesa.
A concepção jurídica da legitima defesa se origina na própria formação humana, no homem natural e seu extinto de defesa. A evolução deste instituto está intimamente ligada as sociedades humanas e com os seus sistemas jurídicos criados com o intuito de organizar e regular as relações que se desenvolviam ao longo dos tempos. Venzon (pág. 11, 1989) nos permite compreender melhor essa evolução histórica:
A legítima defesa evoluiu historicamente em conjunto com a manifestação dos sistemas jurídicos e sua extensa evolução social. Ocorrendo sua manifestação de forma primitiva como uma espécie de justiça, ocorrendo repressão pelo processo de vingança privada (Direito pessoal), assumindo posteriormente o caráter de vingança pública. Surge-se assim, o talião, uma forma precária e rudimentar do instituto da legítima defesa, limitando a vingança quanto à essência da punição e à medida do direito material. (VENZON, pág. 11, 1989)
Como podemos compreender, a legítima defesa é um instituto natural do homem que veio a possui importância para o Direito, de modo que houve a sua inserção no mundo jurídico. Mas, o que é a legítima defesa? Podemos conceituá-la através do artigo 25 do Código Penal brasileiro, em que fala que a legitima defesa é uma ação humana que utiliza dos meios que se tem a disposição, o que os fazem meios necessários, mas que são usados de maneira moderada com o intuito de cessar uma agressão que seja injusta e que esteja acontecendo naquele momento ou prestes a acontecer, tanto para proteção de si própria ou de outrem.
A legítima defesa possui requisitos, dos quais, caso não haja todos esses requisitos não se pode caracterizar o instituto. A agressão injusta é uma delas, caracterizada como a agressão contrária ao direito, a aquilo que seria permitido o que possibilita que o agredido rebata essa atitude, não lhe sendo exigida a evasão do local mesmo que possível. É o que chamamos de saída mais cômoda haja vista a inevitabilidade do dano ao direito por meio da injusta agressão.
O segundo requisito é que além de ser uma injusta agressão, ela deve ser atual ou iminente. Considera-se atual a agressão presente, que está acontecendo no exato momento contra o agredido. Iminente é a que está prestes a acontecer, o que ainda não se concretizou como atual. Diante disso, podemos identificar que não há legítima defesa contra agressão passada ou de agressão futura, o que poderia se caracterizar como vingança e mera suposição, respectivamente.
O terceiro requisito é o uso moderados dos meios necessários, o que consiste em um uso proporcional entre o ataque e a defesa, ou seja, o agredido pode usar dos meios necessários de forma moderada para sua defesa. O que podemos destacar desse requisito que se entende como necessário todo o meio que seja capaz de repelir o ataque com eficiência no momento da agressão. Uma vez usado, esse meio necessário deve ser utilizado de forma moderada, ou seja, até que se cesse a injusta agressão. Todavia, se cessada a agressão e o agente continua o uso, pode-se ser caracterizado como excesso, sendo puníveis todos os excessos.
Também podemos dizer que a legitima defesa é uma proteção ao direito, que pode ser próprio ou de outrem. Ou seja, é admissível o resguardo de qualquer bem jurídico próprio ou alheio. Devemos falar que não há escala de valor entre os bens em conflito. Também devemos deixar de falar que a legitima defesa de terceiros não necessita de autorização, desde que, evidentemente, o bem jurídico que se pretende seja indisponível, a exemplo do bem jurídico mais importante do ser humano que é a vida.
Em suma, a legítima defesa exige alguns critérios para que a ação precise cumprir para que haja a devida concretização do instituto – vale ressaltar que esse instituto é considerado uma excludente de ilicitude, uma exceção em que não se é responsabilizado legalmente – e o agente não seja penalizado, quais sejam, o agente pode usar de qualquer meio necessário para proteger a si ou a outra pessoa, a injusta agressão precisa ser atual ou iminente não se admitindo que esta seja passada ou futura e a defesa deve ser considerada proporcional em face da agressão sofrida.
1.1 A LEGÍTIMA DEFESA DE TERCEIROS
Delimitadas as linhas iniciais sobre a legítima defesa, no tocante a sua concepção, conceitos e requisitos, vamos compreender as espécies desse instituto. São quatro espécies de legítima defesa que precisamos conhece para melhor delimitar o tema deste estudo, quais sejam, legítima defesa putativa, legítima defesa própria ou de terceiro, legítima defesa subjetiva e a legítima defesa sucessiva.
A legítima defesa putativa pode ser conceituada como aquela em que alguém por erro justificável pelas circunstâncias em que se encontra entende que há uma agressão injusta e atual, de modo que por esse erro acaba por imaginar que está em legitima defesa e a pratica. Essa espécie de discriminante putativa está presente no art. 20 § 1º do Código Penal que isenta de pena o agente, nos casos que o erro é justificável, invencível ou inevitável, o que seria razoamente praticado pelo senso comum.
Em contraposição a essa espécie temos a legítima defesa real que se configura pela ação de repelir a injusta agressão e atual de forma verdadeira, ou seja, realmente pessoa se encontra em uma situação de agressão e está devidamente autorizada a agir em legítima defesa, se amoldando ao que diz o artigo 25 do Código Penal. A essa espécie de legitima defesa também é extensiva a outras pessoas, ou seja, é perfeitamente cabível agir em legítima defesa em favor de terceiros.
No tocante a legítima defesa subjetiva, pode ser conceituada nas hipóteses de excesso exculpante, onde há erro invencível. É uma causa supra legal de inexigibilidade de conduta diversa, que exclui assim a culpabilidade. E, por fim, a legítima defesa sucessiva ocorre quando há uma ação de se defender sobre o excesso por parte do primeiro agredido, assim é a repulsa feita por quem seria considerado o agressor mediante a primeira conduta, este sofre a legítima defesa, porém o agredido ultrapassa o limite dessa ação forçando o agressor se defender contra o excesso. NUCCI (pág. 235, 2005), nos fala que a legítima defesa sucessiva “trata-se de hipótese possível, em que alguém se defende do excesso de legítima defesa”, corroborando com o entendimento.
Traçadas as espécies do instituto em estudo, falemos sobre a legítima defesa de terceiros, o qual é o objeto de estudo deste trabalho. Conceitualmente falando, a legítima defesa de terceiros é a ação humana que visa praticar a defesa em favor a um terceiro o defendendo em casos de agressão injusta e atual. Para essa modalidade de legitima defesa se aplica os mesmos requisitos e características básicas do instituto, porém o agente da legitima defesa a pratica para que se haja a defesa de outra pessoa.
Podemos usar como exemplo, alguém que passando pela rua ver alguma pessoa sendo vitima de assalto, estando na mira de uma arma ou qualquer instrumento que produza uma grave agressão, que sendo injusta e atual, atira em direção ao assaltante. Este agente não estava se defendendo, mas defendendo a vitima do assalto que naquele momento não podia se defender sozinha. Pelo Direito Penal, essa pessoa, o agente que agiu em legítima defesa está isento de responsabilização, pois a sua conduta não é criminalizada.
Portanto, podemos compreender que ao se estender o exercício do instituto da legítima defesa ao um terceiro permite que um cidadão seja o defensor de um direito alheio, o que caberia ao Estado, mas que este, por sua vez, não conseguiria contemplar em seu sistema de proteção todos os casos existentes de agressões injustas atuais e iminentes que podem, inclusive, ocorrer simultaneamente. Assim, é justa a descriminalização da conduta uma vez que é assegurado o direito a defesa respeitando os ditames legais.
É importante delimitar que a legítima defesa não é exclusiva a vida, integridade física ou qualquer direito próprio relacionado à vítima, mas também aos bens e interesse do agredido podem ser alvos da legítima defesa, o que inclusive independe da vontade do agredido cuja proteção é do terceiro que está agindo em sua defesa. A legítima defesa de terceiros, pode diante dessa concepção, incluir bens e interesses que estão sendo perturbada pela ação injusta a qual esta submetida.
2. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E OS DIREITOS HUMANOS APLICADOS A LEGÍTIMA DEFESA DE TERCEIROS
Uma vez falado sobre conceito, espécie e direitos cabíveis na legítima defesa é essencial que todos esses preceitos jurídicos sejam aplicados a duas áreas distintas do Direito, enquanto matéria que tem o intuito de estudar e regular as relações humanas. O Direito Constitucional e os Direitos Humanos são áreas que estão sendo usadas pelo instituto da legitima defesa, pois garantem principalmente quando a legitima defesa é usada em favor de um terceiros a proteção de um direito básico garantido a todos e que é de responsabilidade do Estado, mas que devido a falhas próprias do sistema não é devidamente garantido por quem é o garantidor necessário.
A proteção dos Direitos Humanos no Brasil recebe o nome de direitos e garantias fundamentais. Mas, é importante compreendermos que quando se usa a palavra direito, o conceito designado a essa palavra é o poder dado a alguém, protegido pelo ordenamento jurídico de exigir ou fazer algo com relação a outrem. Em termos práticos, quando dizemos que a legítima defesa é um direito a todos os cidadãos de bem, tanto para o agredido como para aquele que age em defesa de um terceiro, estamos aplicando os direitos básicos constitucionais e direito humanos inerentes a todos.
Uma vez que a legítima defesa é uma faculdade, ou seja, alguém decide por livre e espontânea vontade de se defender e defender outra pessoa ou bem, esse instituto pode ser classificado como um direito subjetivo. Portanto, é logicamente conclusivo que a legitima defesa é um direito garantido pelo sistema penal jurídico aos cidadãos que estejam inseridos em situações que configuram a agressão injusta e atual, além de permitir que também se tenha a possibilidade jurídica de defesa a terceiro. Diante disso, o direito a legítima defesa é fundamentalmente pautada no direito do cidadão de exercer a coerção direta nos casos que o Estado não puder fazê-la com eficácia e rapidez com o objetivo de se evitar a lesão ao direito.
O direito de se proteger, sob a ótica dos direitos humanos é oriundo do princípio geral do direito reconhecido pelas nações diante do próprio direito internacional haja vista que é reconhecido através das diferentes traduções culturais, garantido entre religiões e perpetuado ao longo do tempo e das inúmeras transformações sociais. Os direitos humanos são normas que conferem dignidade a todos os seres humanos, regendo o modo de viver individualmente em uma sociedade e entre si, aplicando-se extensivamente a sua relação com o Estado.
Quando compreendemos os direitos humanos sob a ótica do instituto penal em estudo, podemos claramente perceber que a legitima defesa extensiva a terceiros é uma atuação de defesa a um dos direitos básicos garantido a todos os seres humanos, como a vida. Também é uma defesa a integridade física, pois em casos de injusta agressão cumpre uma das responsabilidades dadas pelos direitos humanos a todos, que é o dever de respeitar os direitos dos outros. Assim, por se tratar de direitos inalienáveis e universais, todas as pessoas tornam-se participantes no desenvolvimento e aplicação desses direitos e todas as sociedades do mundo.
Diante disso, os direitos subjetivos – os quais se encaixam a legitima defesa – são inseridos no rol constitucional do ordenamento jurídico brasileiro, no artigo 5º,§2º da Constituição Federal, haja vista que fica garantido quando o direito, apesar de não estar de forma explicita no texto constitucional, venha a existir de modo implícito e oriundo dos princípios básicos regentes do regime constitucional ou de tratados que o Brasil venha aderir. Portanto, os direitos e garantias constitucionais não excluem outros direitos, mesmo que existam de forma implícita.
É nessa possibilidade jurídica que fundamentamos a legítima defesa, pois se trata de um desdobramento necessário para a plena defesa de outros direitos básicos como a vida, a integridade física, a dignidade sexual, o patrimônio entre outros, extensivamente a terceiros inclusive. Assim, a legítima defesa – principalmente a relacionada a terceiros – é um direito subjetivo no qual se torna incogitável que o legislador venha abolir, pois se foi estipulado limites e delineado o que seria considerável como legítima, e ainda estipulado como deve existir essa defesa.
3. A LEGÍTIMA DEFESA DE TERCEIROS COMO INSTRUMENTO DE APLICAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO ÂMBITO PENAL
Como já mencionado acima, os Direitos Humanos são direitos inerentes a todos, sem qualquer tipo de assepsia. São direitos garantidos pela simples condição de ser humano. Esse rol de direitos é assegurado pelas legislações internacionais e através dos tratados realizados entre países. Todavia, além dessa segurança internacional, também são previstos nos ordenamentos jurídicos internos desses Estados. No Brasil, temos na constituição Federal de 1988 a positivação desses diretos, os quais recebem o nome de direitos e garantias fundamentais.
Esses direitos e garantias fundamentais são uma forma de proteção aos Direitos Humanos no ordenamento jurídico Brasileiro, dos quais o Estado Brasileiro não pode se esquivar. É importante delimitar que os direitos fundamentais são os direitos garantidos a todos no sistema jurídico do pais e as garantias fundamentais são os instrumentos para assegurar tais direitos por condições favoráveis.
Os direitos fundamentais e garantias individuais estão elencados no art. 5° da Constituição Federal. Já nesse artigo em seu caput temos que é garantida a todos, sem qualquer tipo de distinção, a inviolabilidade do direito à vida. Essa garantia deve ser realizada pelo Estado como garantidor. A vida é considerada o bem jurídico mais relevante de todos os direitos, portanto é detentora do primeiro lugar na escalada de bens mais relevante. Luciana Russo (pág. 91, 2009) corrobora com esse entendimento ao afirmar que “o direito à vida é o bem mais relevante de todo ser humano e a dignidade da pessoa humana é um fundamento da República Federativa do Brasil e não há dignidade sem vida”, permitindo uma correlação entre o Direito Constitucional como garantia individual e os Direitos Humanos como direito fundamental.
Assim, se fizermos uma subsunção com o instituto da legítima defesa e a inviolabilidade do direito a vida esculpida nas linhas do artigo 5° da Constituição Federal, podemos perceber que essa é a possibilidade jurídica de garantia individual que serve como proteção a esse direito, pois o Estado na figura de garantidor não consegue dirimir todos os conflitos que lhe são submetidos e nem impedir a violação de um direito que possui grau máximo de relevante para o mundo jurídico.
Podemos ir ainda mais longe ao tocante a legítima defesa de terceiros, onde um terceiro é beneficiado com a proteção de alguém que intervém a cena de agressão injusta e atual fazendo jus a esse instituto. Quando uma pessoa protege a vida de outrem fazendo uso dessa excludente de tipicidade, logo podemos compreender que aquele que esta encoberta pela excludente está na verdade fazendo uso de uma garantia individual para proteção de um direito, ou seja, está agindo como o Estado deveria agir.
Logo, a legítima defesa de terceiros é um instrumento de aplicação dos Direitos Humanos no âmbito penal, pois investida de força de proteção a pessoa que está agindo em legítima defesa de outrem, está na verdade agindo como Estado naquela situação evitando que o bem jurídico chamado vida seja lesado. Nada mais justo, uma vez usando essa excludente e fazendo o papel que Estado deveria, que não seja considerado crime essa atitude. Assim, a legítima defesa além de permitir a analise de proteção dos direitos humanos, nos permite uma compreensão sobre a inserção desses no ordenamento jurídico brasileiro.
Além disso, o instituto da legitima defesa não é apenas usada para garantir a vida de alguém. Quando falamos em Direitos Humanos podemos entender que vai muito além da defesa da vida, também se estende a integridade física e aqui trago a baila o caso de Ximenes Lopes vs Brasil , julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, e caso Maria da Penha Maia Fernandes vs Brasil , julgado pela Comissão de Direitos Humanos em que a integridade física de ambas as vitimas foi lesada de forma avassaladora.
Em termos práticos, a legítima defesa não se limita apenas a defesa da vida, a integridade física também é considerada um direito inerente ao ser humano, necessitando assim de um instrumento, ou melhor, de uma garantia individual para que seja conservado esse direito. Mais uma vez, o instituto em estudo atua como um instrumento de aplicação no âmbito penal dos Direitos Humanos, pois tanto o agredido como um terceiro alheio a situação pode-se valer desse instituto para proteção da integridade física de alguém.
Todavia, se faz de suma importância relembrar que para que haja a caracterização da excludente é exigido o preenchimento de requisito já explanado nas linhas iniciais, evitando-se os excessos. Os excessos na atuação da defesa de um direito, o que desconfigura uma causa legítima é punível. Rogério Grego permite a compreensão sobre o excesso:
Geralmente, o excesso tem início depois de um marco fundamental, qual seja, o momento em que o agente, com a sua repulsa, fez estancar a agressão que contra ele era praticada. Toda conduta praticada em excesso é ilícita, devendo o agente responder pelos resultados dela advindos (GREGO pág. 322, 2016).
No entendimento do renomado autor, o excesso acontece quando se fez cessar a injusta agressão – elemento caracterizador da legítima defesa. É a intenção que o agente tem de ir além, muito mais do que o somente cessar a agressão ao bem jurídico, já chegou a se inverter os papeis a ponto de o agressor se tornar o agredido por quem originalmente era o agredido. O que é algo punível. Um típico caso desse excesso acontece na legítima defesa do patrimônio, onde o agredido com o intuito de proteger seu patrimônio ser lesado reage, consegue atingir o agredido de modo que esse não consiga mais continuar com a agressão, mas que assume, após isso, o papel de agressor passando, a quem antes era vitima se vingar agindo de modo até pior que o original.
Portanto, podemos compreender que a legítima defesa de terceiros atua como uma proteção jurídica concedida pelas ordenanças do sistema que envolve o Estado, permitindo ao cidadão a defesa coerente de seus bens sejam eles tutelados ou não. Diante dessa garantia, os Direitos Humanos são englobados no âmbito penal atuando como um verdadeiro sistema correlacionado de ideais permitindo que haja a devida aplicação da dignidade da pessoa humana nos ramos do Direito, atingindo sem qualquer distinção todas as esferas da sociedade.
CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, o instituto da legítima defesa atua como um instrumento de aplicação e proteção dos Direitos Humanos na esfera penal, principalmente atuante para evitar a lesão ao direito à vida, a integridade física e ao patrimônio. Esse instrumento também pode ser usado por pessoas alheia a situação, mas por extinto atua em defesa daquele que está tendo seu direito lesado. É uma situação de defesa de terceiros, onde a pessoa que atua em legítima defesa possui a permissão de atuar como Estado naquela situação evitando o dano.
Todavia, as circunstâncias caracterizadoras desse instituto precisam está presente na situação fática sob pena de aquele que incorre em legítima defesa cometer um crime, pois apenas com esses requisitos que se tem a eficaz defesa, o que a torna para o direito legítima. Por se tratar de um direito subjetivo, a legítima defesa possui caráter constitucional e atinge a todos os que compõem a sociedade de um modo geral. Não há distinção sobre quem pode ou não fazer uso dessa excludente de ilicitude, pois todos estão passíveis de se deparar com uma cena de violência e dano a algum direito ou ser protagonista de uma dessas cenas. Diante disso, podemos dizer que a legítima defesa é o instrumento de defesa dos próprios direitos inerentes a todos os seres humanos, chegando até a se confundir com o próprio conceito.
Assim, o instituto em estudo não pode ser usado para fazer justiça com as próprias mãos. O que vai de encontro com a concepção dessa excludente, pois está de modo implícito na Constituição Federal, mas de modo explicito no Código Penal que apenas se torna excludente de ilicitude, ou seja, exclui o crime quando observados todos os seus elementos caracterizadores. A justiça privada, como muitos chamam, é um crime passível de punição e que pode se configurar com um dos crimes tipificados na lei penal brasileira. Com isso, o excesso realizado também é punível e não está em legitima defesa aquele que deu causa a situação de perigo que se encontra.
Além disso, há esculpido com essa excludente um principio basilar: a dignidade da pessoa humana. Direito básico que rege as linhas da Constituição Federal, de modo que por está no rol de direitos fundamentai e garantias individuais possuem a previsão de não ser revogado mediante qualquer instrumento, mesmo que seja uma Emenda Constitucional, por se tratar de cláusula pétrea. Esse entendimento é passível de compreensão, pois seria impossível que um pai não reagisse mediante o uso de meios moderados para fazer cessar uma possível violação a integridade sexual de sua filha, ou até mesmo para proteger a si próprio de uma lesão a sua vida.
Logo, o Direito Constitucional a esse instituto é uma consequência lógica de utilização do direito na sociedade e também de aplicação dos Direitos Humanos na esfera penal, sem pena de incorrer em um crime. Portanto, diante de tudo até aqui exposto podemos visualizar que a legitima defesa é um meio de aplicação e proteção dos direitos inerentes a todos no âmbito penal, principalmente quando usada em prol de terceiros ou por terceiros inerentes a situação de violência e lesão a um direito.
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14. VENZON, Altayr. Excessos na legítima defesa. Porto Alegre: Fabris, 1989.
Artigo escrito por:
Carlos de Oliveira e Silva: Acadêmico de Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA. Email: carlosoliveira.direito@hotmail.com.
Ingo Dieter Pietzch: Professor especialista, orientador do trabalho de Curso em Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA. Email: ingo.pietzsch@ulbra.br