Reincidência específica como único fundamento só pode aumentar pena em mais de um sexto em casos excepcionais
19 de janeiro de 2024A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.172), adotou a seguinte tese: “A reincidência específica, como único fundamento, só justifica o agravamento da pena em fração mais gravosa que um sexto em casos excepcionais e mediante detalhada fundamentação baseada em dados concretos do caso”.
O recurso especial julgado pelo colegiado foi interposto pela defesa de um homem condenado com base no artigo 155, parágrafos 1º e 4º, II, do Código Penal (furto em repouso noturno mediante escalada), por ter furtado cabos de energia de uma empresa privada. O relator do caso foi o ministro Joel Ilan Paciornik.
O ministro destacou que o Código Penal, a partir das alterações da Lei 6.416/1977, aboliu a distinção entre reincidência específica e genérica no cálculo da pena. No entanto, segundo Paciornik, o tratamento diferenciado pode ser feito em razão da quantidade de crimes cometidos anteriormente, ou seja, da multirreincidência.
Quanto à aplicação de fração maior do que um sexto – prosseguiu –, ela seria possível “mediante fundamentação concreta a respeito da reincidência específica”.
Defesa recorreu contra agravante aplicada por reincidência específica
Ao analisar a apelação, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) reduziu a pena do réu, mas, na segunda fase da dosimetria, aplicou agravante em fração superior a um sexto da pena fixada na primeira fase.
No recurso especial, a defesa argumentou que a reincidência específica não justifica a aplicação de fração diversa daquela usualmente aceita pela doutrina e pela jurisprudência. Por outro lado, o Ministério Público Federal (MPF) defendeu que seria cabível o cálculo mais rigoroso com base apenas na reincidência específica.
Interpretação do Código Penal deve ser feita de forma restritiva
Para chegar à tese do recurso repetitivo, o relator abordou a evolução do tratamento dado à agravante da reincidência no ordenamento jurídico brasileiro. De acordo com Paciornik, o Código Penal inaugurou a classificação da reincidência em específica e genérica, estipulando pena mais grave para a primeira.
O ministro lembrou, entretanto, que a Lei 6.416/1977 afastou a diferenciação entre as duas categorias na dosimetria da pena.
“A interpretação da norma deve ser realizada de forma restritiva, evitando, com isso, restabelecer parcialmente a vigência da lei expressamente revogada. Inclusive, tal interpretação evita a incongruência decorrente da afirmativa de que a reincidência específica, por si só, é mais reprovável do que a reincidência genérica”, destacou.
Multirreincidência tem que ser considerada na dosimetria da pena
Ainda que não se admita a distinção entre o agravamento de pena pela reincidência genérica e pela reincidência específica, Paciornik observou que a multirreincidência deve ser levada em consideração na dosimetria. Citando o Tema 585 do STJ, o magistrado ressaltou que a multirreincidência exige maior reprovação, devendo ser considerada por uma questão de lógica e proporcionalidade.
“Sendo assim, a controvérsia deve ser solucionada no sentido de não ser possível a elevação da pena pela presença da agravante da reincidência, em fração mais prejudicial ao apenado do que a de um sexto, utilizando-se como fundamento unicamente a reincidência específica do réu”, concluiu o ministro.
Leia o acórdão no REsp 2.003.716.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):
REsp 2003716
FONTE: STJ