STF começa a discutir prorrogações sucessivas de escutas telefônicas
18 de março de 2022O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou, nesta quarta-feira (16), o julgamento de Recurso Extraordinário (RE 625263) sobre a possibilidade de prorrogação sucessiva de interceptações telefônicas para fins de investigação criminal, sem limite definido de prazo. A análise da matéria será retomada nesta quinta-feira (17). Sobre o Tema 661 de repercussão geral, existem pelo menos 96 processos em trâmite na Justiça, e a tese a ser firmada deverá ser observada pelas demais instâncias.
Os cinco votos apresentados na sessão plenária de hoje, pelos ministros Gilmar Mendes (relator), Dias Toffoli, André Mendonça, Nunes Marques e Alexandre de Moraes, foram favoráveis às renovações sucessivas de escutas, desde que fundamentadas.
Anulação de provas
O RE 625263 foi interposto pelo Ministério Público Federal (MPF) contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que anulou todas as provas obtidas a partir de escutas telefônicas que duraram mais de dois anos, ininterruptamente, em investigação criminal realizada no Paraná.
No Supremo, o MPF afirma que as escutas foram realizadas no contexto de uma ampla investigação, conhecida como Caso Sundown, que apurou a prática de crimes graves, como delitos contra o Sistema Financeiro Nacional, corrupção, descaminho, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Para o MPF, a decisão do STJ “abriu espaço” para a invalidação de centenas de operações policiais que investigaram organizações criminosas e delitos complexos por meio de escutas que tenham durado mais de 30 dias.
Escutas fundamentadas e eficientes
O vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, sustentou, na sessão de hoje, que as prorrogações foram fundamentadas e eficientes, e observou que, no caso dos autos, 245 crimes foram descobertos em dois anos de escutas. Segundo ele, o sistema brasileiro de controle de escutas é civilizado, atende ao devido processo legal e é passível de controles pela polícia, pelo MP e pelo Judiciário. “Não há motivo para duvidar da honestidade no zelo com a intimidade das comunicações”, disse.
Para Humberto Jacques, impedir a prorrogação das interceptações é retirar do Estado o seu dever para com a confiança na paz social e no cumprimento das leis. Em nome do MPF, ele opinou pela possibilidade de as autoridades prorrogarem as investigações de modo fundamentado, adotando como fator preponderante a gravidade do caso, a densidade da organização criminosa e a continuidade do crime.
Invasão
Os advogados dos envolvidos no caso concreto defenderam a manutenção da jurisprudência do STF baseada na necessidade de razoabilidade e na fundamentação em cada caso. Segundo eles, as interceptações ocorreram em prazo excessivo, de mais de dois anos, sem fundamentação e sem indícios de crimes. Na sustentação oral, eles afirmaram não ser contrários à investigação, mas defenderam limites à medida, sustentando que houve invasão da privacidade e da intimidade de toda a família dos investigados.
Limites
Ao participar do julgamento como parte interessada, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) defendeu o controle da legalidade de renovação sucessiva da interceptação telefônica, mediante a clara fixação de limites. Para a entidade, não se pode imaginar a eternização desse tipo de medida nem a possibilidade de o Estado alongar indefinidamente a situação.
Prorrogação sucessiva
O relator, ministro Gilmar Mendes, votou pelo desprovimento do RE. Para ele, a interceptação telefônica pode ser prorrogada por períodos sucessivos de 15 dias, enquanto a medida for necessária, adequada e proporcional. No entanto, sobre o caso concreto, verificou que, desde o início, não havia resultados incriminatórios, fato contrário à renovação da medida.
Na sua avaliação, as decisões que autorizaram as prorrogações não compararam o material interceptado com as hipóteses investigativas nem demonstraram quais resultados relevantes ainda podiam ser obtidos. A seu ver, as motivações foram padronizadas, reproduzindo modelos genéricos, e não podem embasar restrição de direito fundamental.
Para o ministro Gilmar Mendes, a fundamentação falha não foi eventual, mas uma deficiência verificada durante todo a investigação, especialmente no primeiro ano, quando os resultados das interceptações foram inconsistentes. Os relatórios iniciais, segundo o relator, não conseguiram apontar fatos relevantes no período e, por essas razões, as interceptações são nulas, por deficiência de fundamentação.
Atualização legislativa
Em seu voto, Mendes também ressaltou a importância de o Congresso Nacional ponderar a necessidade de atualização normativa sobre a matéria, especialmente em relação às novas tecnologias e à compatibilização das investigações com a proteção de direitos fundamentais. Conforme ele, o cenário das comunicações avançou muito em complexidade e relevância nos últimos anos, e a legislação atual está desatualizada. O voto do relator foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, André Mendonça e Nunes Marques.
Divergência
O ministro Alexandre de Moraes também se manifestou pela possibilidade de renovações sucessivas das escutas, mediante fundamentação. Ele lembrou que conversas importantes sobre crimes complexos são geralmente identificadas após vários meses de escutas. “Essas investigações levam tempo, e deve haver paciência para se chegar a uma conclusão efetiva”, destacou.
No caso concreto, porém, o ministro divergiu do relator e votou pelo provimento do recurso. Em sua avaliação, a necessidade da medida foi demonstrada desde o início das investigações, que apontaram indícios de fraudes, evasão fiscal, depósitos de grandes quantias e utilização de empresas de fachada, além do fato de o grupo criminoso ser investigado em outros inquéritos.
O ministro observou que, de 30 em 30 dias, o juiz da causa analisou, ponto a ponto, os requisitos exigidos pela legislação e verificou a importância e a eficácia da escuta. “A interceptação telefônica é um trabalho detalhado de investigação e um meio de prova importantíssimo”, concluiu.
EC/CR//CF
FONTE: STF