A Administrativização Do Direito Penal Nos Crimes Ambientais da Lei 9.605/98
4 de setembro de 2020RESUMO: Os avanços tecnológicos revestidos dos processos de globalização trouxeram novas preocupações no tocante aos crimes organizados e praticados pelas pessoas jurídicas. Acontece que a certa de mais de 20 anos, a lei de crimes ambientais trouxe em seu corpo um rol de crimes puníveis praticados pelas pessoas jurídicas, essas espécies de pena são o liame entre o Direito Penal e o Direito Administrativo originando a chamada administrativização. O poder punitivo estatal com a entrada desse dispositivo jurídico sofreu mudanças que até hoje implicam em uma melhor aplicação da lei penal na responsabilidade administrativa das pessoas jurídicas perante os crimes ambientais. Portanto esse trabalho possui como objetivo principal demonstrar na lei de tutela penal ambiental o fenômeno da administrativização e a expansão do Direito Penal.
PALAVRAS-CHAVE: Administrativização; Expansão; Direito Penal; Direito Administrativo.
ABSTRACT: The technological advances covered by the globalization processes have brought new concerns regarding crimes organized and practiced by legal entities. It turns out that for more than 20 years, the law of environmental crimes brought in his body a list of punishable crimes practiced by legal entities, these kinds of punishment are the link between Criminal Law and Administrative Law originating the so-called administrative. The state’s punitive power with the introduction of this legal provision has undergone changes that until today imply a better application of criminal law in the administrative responsibility of legal entities in the face of environmental crimes. Therefore, this work has as main objective to demonstrate in the environmental penal protection law the phenomenon of administrativization and the expansion of Criminal Law.
KEYWORDS: Administrativization; Expansion; Criminal Law; Administrative Law
INTRODUÇÃO
A sociedade vive em constante evolução. Todos os dias o Estado tem a difícil tarefa de solucionar os diversos conflitos entre os direitos inerentes ao ser humano nas diversas esferas jurídicas. Com os avanços da tecnologia e o desenvolvimento nas diversas áreas de saber, o homem passou a usar da inteligência tanto para o bem como para o mal e nesse novo advento se é possível constatar o surgimento de uma sociedade de riscos globais.
A globalização cada vez mais presente, extinguindo as barreiras existentes entre a comunicação do ser humano, mostra que o Direito Penal e sua função punitiva dado pelo Estado precisam de uma reforma. A necessidade cada vez mais latente de um fortalecimento do sistema protetivo de intervencionismo estatal nas relações sociais são mais exigidas para que haja uma convivência ordenada e pacifica.
Diante dessa perspectiva, a estrutura penal não consegue alcançar as novas formatações de condutas criminosas e com a constante evolução social os ramos do direito passam a ser intercomunicar para garantir o cumprimento das suas funções. É através desse expansionismo do Direito Penal que se origina a administrativização. Esse processo, por sua vez, nos permite compreender que as funções básicas do Direito Penal precisam de um impulso para atingir esferas anteriormente consideradas intactas.
A corrupção e os crimes econômicos trouxeram um verdadeiro alerta para o sistema estatal punitivo. Por isso, através da união com algumas características administrativas pessoas jurídicas podem ser punidas, conforme a Lei 9.605/98 onde, embora com mais de 20 anos de existência, ganha rigor e força quando utilizadas de exemplo para a extinção do sentimento de impunidade e reincidência por parte de empresas utilizadas como fachada de crimes ambientais custeados por dinheiro oriundo de outros crimes.
Assim, este trabalho possui como principal objetivo demonstrar na Lei de Crimes Ambientais (Lei n. 9.605/98) características oriundas do Direito Administrativo em combate aos crimes ambientais e apresentar as vantagens do liame entre esses ramos do direito no sistema jurídico nacional, com foco na responsabilidade administrativa das pessoas jurídicas e a teoria da administrativização do Direito Penal.
1. A INTERLIGAÇÃO ENTRE O DIREITO PENAL E O DIREITO ADMINSTRATIVO NOS CRIMES DA LEI 9.605/98
O Direito Penal possui como função precípua a proteção de bens jurídicos derivados da Constituição, esta por sua vez permite que na estrutura do Estado haja punições para aqueles que descumprem regras sociais criadas com o intuito de melhor administrar a sociedade. Podemos considerar três aspectos decisivos para a conceituação e entendimento do que o Direito Penal regula sob a ótica de SANCHES CUNHA (2017, pág. 31-32):
(a) Sob o aspecto formal ou estático, Direito Penal é um conjunto de normas que qualifica certos comportamentos humanos como infrações penais (crimes ou contravenções), define os seus agentes e fixa as sanções (pena ou medida de segurança) a serem-lhes aplicadas.
(b) Sob o aspecto material o Direito Penal refere-se a comportamentos considerados altamente reprováveis ou danosos ao organismo social, afetando bens jurídicos indispensáveis à sua própria conservação e progresso.
(c) Sob o aspecto sociológico ou dinâmico, o Direito Penal é mais um instrumento d controle social de comportamento desviado (ao lado dos outros ramos, como Constitucional, Administrativo, Civil, Tributário, Processual, etc.) visando assegurar a necessária disciplina social, bem como a convivência harmônica dos membros do grupo. (SANCHES CUNHA, pág. 31-32, 2017).
Assim, a função de proteção de bens jurídicos aliados as concepções do direito nos permite compreender que o Direito Penal é o ramo do direito que visa cuidar das lesões causadas por ações e omissões à direitos de outros e até mesmo à objetos pertencentes a outros. Também é importante salientar que o a função do Direito Penal é além de aplicar sanções ou medidas de segurança a condutas delituosas e evitar forma preventiva que aconteça mais lesões a esses direitos através da tipificação de condutas consideradas danosas.
Por outro lado o Direito Administrativo desempenha uma função mista: por um lado regula as atividades de intervenção da autoridade pública administrativa e proteger a esfera jurídica dos particulares permitindo que o interesse coletivo sobre saia ao interesse individual no tocante à esfera pública. Quando unimos essas duas funções temos como resultado uma flexibilização do sistema de gestão de conflitos sociais através de uma expansão dos efeitos da esfera penal. É partindo dessa premissa que podemos analisar o conteúdo da Lei 9.605 de 1998 um fenômeno chamado de administrativização. Com os avanços tecnológicos e sociais, o direito punitivo do Estado não alcançava algumas esferas, sendo que em alguns casos a sensação de impunidade pairava sobre determinadas condutas, sobretudo nas questões ambientais.
Muitos por acharem que o meio ambiente é um bem de uso coletivo sem limites usavam de forma desordenada e precária os recursos naturais. Esse uso sem limites foi capaz de trazer sérios impactos para a natureza haja vista as inúmeras práticas que extrapolam os limites do bom senso e da preservação por parte de empresas. Por esse motivo, como um anseio da sociedade, a Lei de Crimes Ambientais foi criada. Antes da criação da referida lei, as penas aplicadas as pessoas jurídicas que degradavam o meio ambiente eram ínfimas comparadas a devastação que as condutas causavam, assim era necessário algo mais severo e ao mesmo tempo que retirasse a ideia de impunidade dos transgressores.
Com uma junção do Direito Penal com o Direito Administrativo, a Lei de Crimes Ambientais trouxe uma maior preocupação para as pessoas jurídicas que agora contam com diversas formas de aplicação da lei em desfavor de seus atos transgressores. A tutela penal ambiental ganha forma e força inerente das características administrativas causando sérios impactos em como se ver o meio ambiente e a sua forma de interação com a sociedade e com os indivíduos de modo geral. Todo e qualquer ato lesivo ao bem jurídico meio ambiente será defendido com o rigor do Direito Penal através das penas administrativas capazes de satisfazer em parte ou em todo o dano causado.
Portanto, a interligação desses dois ramos do direito causou no ordenamento jurídico impactos na pena e no rol de condutas tipificadas como crime ambiental. A infração administrativa é fruto dessa junção, pois em todos os casos em que a autoridade verificar uma violação da lei, seja por ação ou omissão, pode-se valer da infração para corrigir e disciplinar o infrator mediante os limites indicados na própria legislação.
Com essa interligação de conhecimento e a expansão da abrangência do Direito Penal com o auxilio de outros ramos do direito, a responsabilidade das pessoas jurídicas tomam uma nova estrutura. Agora dividida em responsabilidade civil, penal e administrativa todas permitidas pela Constituição Federal, tornaram-se verdadeiras barreiras para impedir práticas nocivas ao meio ambiente.
1.1 A RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA POR DANOS AMBIENTAIS E O FENÔMENO DA ADMINISTRATIVIZAÇÃO
A palavra responsabilidade deriva da ideia de compensar um dano ou lesão causada por uma ação ou omissão a algum bem jurídico tutelado pelo ordenamento jurídico. Diante dessa concepção, os danos causados ao meio ambiente, bem jurídico protegido pelo direito, devem ser reparados pelos seus causadores através do poder de polícia ambiental e são atribuições exclusivas do Estado. As infrações administrativas são fiscalizadas pelo ente público de modo que é dever dos órgãos ambientais a proteção, fiscalização e aplicação dessas sanções aos poluidores.
Mediante as bases que regem a sociedade, o direito penal criado com o intuito de punir os danos causados tem seus conceitos respingados no direito ambiental com o auxilio do direito administrativo. Cabe ao Poder Público, responsável pela tutela administrativa do meio ambiente defendê-lo, assevera SILVA (pág. 623, 2019) que:
“A atuação estatal em prol do meio ambiente decorre do caput do artigo 225 da Constituição de 1988, segundo o qual cabe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Um dos sujeitos ativos responsáveis pela defesa do meio ambiente está definido, portanto, de forma inquestionável pela Carta Magna: o Estado.” (SILVA, pág. 623, 2019)
Portanto, cabe ao Estado a aplicação das sanções sobre infrações administrativas. Os crimes contra o meio ambiente tipificados no ordenamento jurídico através da Lei 9.605/98 e do Decreto 6.514/08 dispõem sobre as infrações administrativas na esfera do direito ambiental e esta por sua vez pode ser compreendida como toda ação ou omissão capaz de deteriorar e violar o uso do meio ambiente, a sua proteção, promoção e recuperação deste conforme o que dispõe o artigo 70 da supracitada lei.
Podemos, desta forma, extrair do posicionamento das infrações administrativas e sua ideia de sanção pelo Estado como não somente a satisfação do prejuízo causado, mas também como forma de se evitar as condutas potencialmente perigosas ao bem tutelado ou que violem as leis regentes da matéria. Além disso, doutrinariamente cabe ao poder público, na figura do Estado a garantia da efetiva função do direito. SILVA (pág. 624, 2019) compreende que:
“Incumbe ao poder público, através dos órgãos ambientais competentes e dos seus agentes, investigar as supostas infrações ambientais e aplicar as respectivas sanções administrativas, utilizando-se do seu poder de polícia ambiental, cujas características principais são a auto-executoriedade e a coercibilidade. A aplicação das sanções administrativas ambientais independe de manifestação judicial (diferentemente das sanções cíveis e penais), podendo ser efetivada pela própria Administração Pública.” (SILVA, pág. 624, 2019)
Diante disso, o poder público na figura do Estado cumpre com o apoio do Direito Administrativo e com os preceitos do Direito Penal a proteção e satisfação dos danos causados ao meio ambiente. O artigo 72 da Lei 9.605/98 traz um rol de sanções administrativas que podem ser aplicadas cumulativamente se infringidas mais de uma delas:
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art.6º:
I – advertência;
II – multa simples;
III – multa diária;
IV – apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;
V – destruição ou inutilização do produto;
VI – suspensão de venda e fabricação do produto;
VII – embargo de obra ou atividade;
VIII – demolição de obra;
IX – suspensão parcial ou total de atividades;
X – (vetado)
XI – restritiva de direitos.
São onze incisos que contém cada espécie de sanção para as infrações administrativas cometidas. Por sua vez o Decreto 6.514, de 22 de julho de 2008 enumera um rol de infrações administrativas que compreende dos artigos 24 ao 93, devidamente organizadas em: 1. Das infrações contra a fauna, entre os artigos 24 a 42; 2. Das infrações contra a flora, entre os artigos 43 a 60-A; 3. Das infrações relativas à poluição e outras infrações ambientais, entre os artigos 61 a 71-A; 4. Das infrações contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural, entre os artigos 76 a 83; 5. Das infrações cometidas exclusivamente em unidades de conservação, entre os artigos 84 a 93.
É necessário termos em mente que as sanções administrativas somente serão aplicadas mediante o enquadramento legal da conduta imputada ao agente, isso significa dizer que é necessário uma conduta praticada contra o bem tutelado para que haja uma sanção. Nos termos do artigo 52 da Lei 9.605/98 podem existir condutas tipificadas como infração administrativa e como crime, mas crimes ambientais também podem ser alvos de sanções administrativas conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.091.486-RO de relatoria da Min. Denise Arruda, julgado em 2/4/2009. Informativo 389:
“ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA AMBIENTAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. RECEBIMENTO DE MADEIRA SERRADA, SEM LINCENÇA DO IBAMA. ART. 70 DA LEI 9.605/98. PENA DE MULTA. PRINCIPIO DA LEGALIDADE ESTRITA. PLENA OBSERVÂNCIA.
1. É pacifica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que não viola o artigo 535 do CPC, tampouco nega a prestação jurisdicional, o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adota, entretanto, fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia.
2. Ainda que fundamentos diversos, o aresto atacado abordou todas as questões necessárias à integral solução da lide, concluindo, no entanto, que: (a) somente o juiz criminal, após regular processo penal, pode impor penalidades pela pratica de crime cometido contra o meio ambiente; (b) é ilegal a tipificação de infrações administrativas por meio de decreto.
3. A aplicação de sanções administrativas, decorrente do exercício do poder de policia, somente se torna legitima quando o ato praticado pelo administrado estiver previamente definido pela lei como infração administrativa.
4. Hipótese em que o auto de infração foi lavrado com fundamento no art. 46 da Lei 9.605/98, pelo fato de a impetrante, ora recorrida ter recebido 180 m³ de madeira serrada em prancha, sem licença do órgão ambiental competente.
5. Considera-se infração administrativa ambiental, conforme o disposto no art. 70 da Lei 9.605/98, toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
6. O art. 46 do mesmo diploma legal, por seu turno, classifica como crime ambiental o recebimento, para fins comerciais ou industriais, de madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente, e sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até final beneficiamento.
7. Conquanto se refira a um tipo penal, a norma em comento, combinada com o disposto no art. 70 da Lei 9.605/98, anteriormente mencionado, confere toda a sustentação legal necessária à imposição da pena administrativa, não se podendo falar em violação do principio da legalidade estrita.
8. Recurso especial provido, para denegar a segurança anteriormente concedida. (REsp 1.091.486-RO de relatoria da Min. Denise Arruda, julgado em 2/4/2009. Informativo 389)
O Superior Tribunal de Justiça entende que ao lavrar o auto de infração o agente deve levar em consideração a gravidade dos fatos haja vista os motivos e as consequências do ato praticado perante o ordenamento jurídico, bem como os antecedentes criminais e a condição econômica do infrator de modo que este em nenhuma circunstância deixe de ser responsabilizado pela conduta praticada.
Assim, o liame entre o Direito Penal no tocante a ideia de punir do Estado e as flexibilidades do Direito Administrativo permitem uma melhor aplicação da lei. É mediante essa comunicação entre os ramos do direito que surge o termo administrativização, em especial do Direito Penal com o Direito Administrativo. Esse termo significa que é possível que o Direito Penal tenha características inerentes do Direito Administrativo, gerando certo expansionismo do Direito Penal. Os efeitos decorrentes da administrativização estão adstritos às questões normativas, em que pode ser utilizado para interpretação de determinados assuntos complementares adstritos à lei.
2. A ADMINISTRATIVIZAÇÃO NA RESPONSABILIDADE DAS PESSOAS JURÍDICAS NA PRÁTICA DE CRIMES AMBIENTAIS
A administrativização do Direito Penal, como anteriormente falado, pode ser conceituada como um processo de readaptação social no qual o Direito Penal deixa de ser utilizado como ultima ratio para ser usado como prima ratio, de modo que na visão de Sanchez (2011, pág. 24) o “processo expansivo do Direito Penal o converte num sistema de gestão primária dos problemas sociais”, tornando-se um mecanismo de proteção para bens antes apenas tutelados por outros ramos do direito.
Esse processo tem grande impacto para as leis infraconstitucionais que tutelam bens jurídicos não protegidos pelo Direito Penal, como no caso dos crimes ambientais positivados na Lei 9.605/98. Através dessa expansão podemos verificar que cada vez mais o rol de crimes e de condutas tipificadas no código penal tem crescido, demonstrando que o Direito Penal passa a ser uma forma de interação social capaz de traduzir os anseios da sociedade de forma mais rápida e satisfatória haja vista que há um crescimento de conflitos. Nesse sentido, Machado (2012, pág. 68) nos permite uma melhor compreensão:
“Com isso, vê-se que o que se pretende é formar um Direito Penal totalmente funcionalizado, que atue como gestor de riscos e guardião da coletividade, ocorrendo, assim, uma antecipação da tutela penal que caracteriza um direito preventivo calcado nos princípios da precaução e prevenção. Ocorre, entretanto, que os novos rumos traçados pelo Direito Penal estão em sentido contrário à noção tradicional que dele se tem.” (MACHADO, 2012, pág. 68)
Diante disso, a administrativização do Direito Penal permite uma melhor análise dos crimes e das penas diante da conduta, pois deixa de agir apenas contra o fato lesivo determinado e passa a agir a favor do direito de gestão punitiva. O melhor exemplo a ser citado da flexibilização do poder punitivo do Estado se encontra nas penas administrativas contra as pessoas jurídicas que praticam algum crime tipificado na lei de crimes ambientais. A tutela penal ambiental passa a exercer um papel tipicamente administrativo permitindo que pessoas jurídicas que não podem ser presas sejam de algumas formas punidas por seus atos.
Os efeitos desse fenômeno no direito podem ser caracterizados como novas formas de atuação do poder punitivo, criação de novos tipos penais de forma mais abrangente. Nos crimes ambientais podemos perceber que há uma expansão da tutela penal em condutas que até então eram apenas cobertas pelo Direito Administrativo. A modificação da função da pena tem atuado como forma de combate à impunidade e às praticas delituosas.
Com relação às pessoas jurídicas, podemos verificar que há uma comunicação entre os ramos do Direito. As pessoas jurídicas são punidas pelos seus atos de forma alternativa ou cumulativamente através de pena de multa, restritas de direitos e/ou prestação de serviços à comunidade. Essas espécies de pena, conforme a Lei 9.605/98, por sua vez, se subdivide em: custeio de programas e de projetos ambientais, execução de obras de recuperação de áreas degradas, manutenção de espaços públicos, contribuições a entidades ambientais ou culturais publicas, suspensão parcial ou total de atividades, interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade e proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.
Dentre essas formas de aplicação de sanção às pessoas jurídicas, há uma em especial que pode ser usada como subsunção entre os ramos do Direito em discussão: a proibição de contratar com o Poder Público. A licitação pública é uma forma de contrato própria do Direito Administrativo com as pessoas jurídicas, quando há essa proibição pela pratica do tipo penal podemos ver com clareza o Direito Penal utilizando-se de artifícios do Direito Administrativo para punir os transgressores da lei.
Portanto, quando o Direito Penal faz uso de atributos próprios de outro ramo do Direito podemos perceber que o torna mais flexível e capaz de abranger mais condutas, de tal forma que sua abrangência atinge de tantas outras formas o objetivo final a qual foi criado, o de punir. O Estado dessa forma passa a garantir uma melhor cobertura de ações para reprimir o crime e ao mesmo tempo diminuir a sensação de impunidade que muitas pessoas jurídicas e até mesmo físicas possuem quando se fala em crimes ambientais.
3. AS VANTAGENS DA COMUNICAÇÃO ENTRE OS RAMOS DO DIREITO NO CUMPRIMENTO DO DEVER DE PUNIR DO ESTADO
A finalidade do Estado é a promoção do bem-estar da coletividade, para se cumprir esse objetivo utiliza-se as características dos ramos do direito através do ordenamento jurídico. As estruturas definidas pelo poder do Estado, concedido nas linhas da Constituição Federal englobam os bens jurídicos individuais e da comunidade que devem ser tutelados por esse. Essas características de proteção podemos encontrar no Direito Penal e no Direito Administrativo.
O expansionismo penal trouxe a forma de combate a crimes, especialmente no que tange os crimes ambientais, vantagens que geraram o fenômeno da administrativização permitindo ao poder de punição do Direito Penal a perda de certas características protecionistas, destruindo certos limites entre a esfera penal e a administrativa que pairavam entre o poder sancionatório e a prevenção de perigos nesses dois ramos. O conceito de administrativização permite uma melhor compreensão sobre os crimes econômicos e, especialmente na legislação ambiental, permite sanções econômicas para as pessoas jurídicas.
As vantagens dessa união de forças são expressas na lei ambiental de tutela penal, pois em muitos casos empresas são utilizadas como fachadas para lavagem de dinheiro de exploração ilegal de recursos naturais. Portanto, é necessário que o poder punitivo do Estado, a quem é incumbido a proteção dos bens jurídicos ambientais, possam se munir de novas armas e novas táticas que consigam afastar os fantasmas da impunidade e da reincidência.
Assim, embora muitas vezes criticada a administrativização tornou-se uma forma valiosa de combate a criminalidade haja vista estarmos inseridos em uma cultura de corrupção que atinge diversas esferas jurídicas. Esse fenômeno político que possuem consequências na economia, atingindo a sociedade que é a maior vítima precisa de um freio capaz de fazer cessar a criminalidade.
Madeireiros ilegais, empresas poluentes entre outros poluidores do meio ambientes conhecem os termos da lei ambiental, porém não possuem temor sobre as suas penalidades haja vista que muitas vezes se escondem atrás da pessoa jurídica que constituem pois esta não pode ser presa, mas quando conseguimos atingir a empresa a ideia de impunidade some e se começa a pensar duas ou até mais vezes antes de praticar qualquer conduta tipificada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A globalização e os avanços da sociedade nos mostram uma nova roupagem na convivência humana e até mesmo nas formas de condutas criminosas. Para tal é necessário que o próprio poder punitivo se muna de armas capazes de acompanhar essa evolução. É inegável a aproximação atual entre o Direito Penal e Direito Administrativo no tocante aos crimes empresariais, pois as entidades coletivas são “controladas” por reguladoras e podem ser punidas através de meios que as proíbam de participar de licitações com o Poder Público, algo que podemos visualizar na Lei de Crimes Ambientais.
Nos crimes ambientais, é muito comum a prática de ilícitos por parte de empresas, sejam em desmatamentos, vendas ilegais de madeira ou até mesmo lavagem de dinheiro oriundos de corrupção. Embora esse último não seja propriamente dito como crime ambiental sua consequência implica na esfera ambiental quando essas empresas de fachadas decidem praticar os ilícitos ambientais. Nesse meio termo a administrativização do Direito Penal é revelada nas linhas da Lei 9.605/98, pois se é possível verificar uma maior atuação dos direitos em face do combate aos crimes tipificados na lei infraconstitucional.
Portanto, o fenômeno da administrativização apresentado no escopo desse trabalho representa um progresso no combate a criminalidade, pois se trata da junção de dois ramos do direito que formam uma só força em face de melhor administração dos conflitos existentes na sociedade no tocante a lesões de direitos ambientais. Diante disso, podemos concluir que esse fenômeno cada vez mais presente no ordenamento jurídico pode ser uma opção para outros segmentos da sociedade de modo que a os crimes praticados pelas pessoas jurídicas possam ser punidos de forma certa e compatível com o dano causado.
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Artigo escrito por:
Herbert Correa Fonseca: Acadêmico em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA. Email: Herbert@rede.ulbra.br
Rubens Alves da Silva: Professor orientador da disciplina de Trabalho de Curso em Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA. Bacharel em direito, Advogado, especialista em processo civil judiciário, especialista em docência e gestão do ensino superior, mestre em direito pela FDSM, autor de livros. Email: Rubens.silva@ulbra.br