Afastada eficácia de cláusula de escolha de jurisdição em contrato internacional
19 de dezembro de 2017A 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça julgou, no dia 12, caso decorrente de contrato internacional entre consumidores brasileiros e empresa do ramo de serviços de hotelaria constituída e sediada na República Dominicana. O caso analisou a eficácia da cláusula em que a empresa havia indicado os tribunais do país caribenho como competentes para os litígios decorrentes do contrato, e escolhido as leis dominicanas para o respectivo julgamento de mérito.
Fatos do caso
Casal viajou em férias para Punta Cana, ocasião em que firmou com a empresa do ramo hoteleiro Sol Meliá VC Dominicana S.A. contrato de time sharing, para usufruir de hospedagem em quaisquer hotéis e clubes do mundo vinculados à rede da contratante. Porém, após o retorno ao Brasil, os consumidores tentaram sem sucesso, durante dois anos (2014/15), obter o cumprimento do serviço. Assim, ajuizaram ação contra a empresa brasileira da rede Meliá, postulando a rescisão do contrato, o reembolso do valor pago e reparação por danos morais.
Em contestação, a demandada rejeitou a jurisdição brasileira para o caso, com base na cláusula de eleição de foro estrangeiro exclusivo, e, caso julgado o mérito, postulou a aplicação das leis da República Dominicana, conforme a cláusula contratual nesse sentido, requerendo a improcedência dos pedidos.
Na Comarca de Erechim, o Juiz de Direito Alexandre Kotlinsky Renner afastou a alegação de ausência de jurisdição por considerar que a ré era subsidiária, no Brasil, da contratante estrangeira. Também decidiu que eram nulas as cláusulas suscitadas pela empresa, com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC). Declarou a rescisão do contrato e determinou a devolução do valor pago, mas sem reconhecer a existência de danos morais.
Ambas as partes recorreram ao TJ.
Acórdão
O voto do Relator, Desembargador Umberto Guaspari Sudbrack, integrante da 12ª Câmara Cível do TJRS, foi por negar o apelo da ré e reconhecer a ocorrência de danos morais indenizáveis.
Sobre a jurisdição brasileira para o caso, o Relator observou que, nos contratos internacionais, a escolha da jurisdição constitui um modo habitual de livre exercício da autonomia da vontade. Porém, destacou que tal prerrogativa não está ao alcance das partes no caso de contrato internacional de consumo, por força da perspectiva contemporânea do Direito Internacional Privado, pautada por valores constitucionais de harmonia social. Assim, foi afastada a eficácia da cláusula, refutando-se a tese da ré de que a ação somente poderia ter sido proposta perante os tribunais da República Dominicana.
Parte vulnerável
Da mesma forma, foi declarada ineficaz a cláusula contratual de indicação das leis da República Dominicana para o exame do mérito. O Desembargador Sudbrack reconheceu a possibilidade, segundo o Direito brasileiro, de convencionar lei material de regência de contrato internacional, ainda que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) não seja explícita a respeito. Contudo, ressalvou que tal prerrogativa não estava ao alcance das partes por se tratar de contrato firmado por sujeito vulnerável ¿ os consumidores ¿ sendo inviável a escolha de lei menos protetiva do que o CDC.
O Relator rechaçou a tese de que as leis da República Dominicana deveriam reger o contrato, por ter sido o local da assinatura. O julgador refutou o uso da norma de que as obrigações devem reger-se pela lei do local em que constituídas, interpretando o art. 9º, ¿caput¿, da LINDB, no sentido de que os contratos de consumo não estão inseridos no seu âmbito de incidência.
Dano moral
O dano moral foi reconhecido em benefício dos autores devido às sucessivas e frustradas tentativas de obter o cumprimento da oferta, sem que tenham conseguido o acesso às opções de hospedagem do portfólio da empresa contratante. O montante indenizatório foi fixado em R$ 10 mil para cada autor.
Acompanharam o voto os Desembargadores Guinther Spode e Pedro Luiz Pozza.
Proc. 70073732927
FONTE: TJRS