Atestado médico não precisa ter código da doença para ser válido
14 de outubro de 2024A exigência de apresentação de atestado médico com indicação da CID (Classificação Internacional de Doenças) ao empregador viola as garantias constitucionais de proteção da intimidade, vida privada, honra e imagem, sendo inválida este tipo obrigatoriedade em norma coletiva.
Essa foi a decisão da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-SC), em ação na qual um vigilante de uma empresa de segurança questionou os descontos realizados em seu salário, após apresentar atestados médicos sem o CID para justificar faltas ao trabalho. A empregadora não reconheceu os documentos como válidos e considerou as ausências como injustificadas.
O caso
O processo teve origem na Vara do Trabalho (VT) de Timbó, em abril deste ano. Entre os pedidos, estava o ressarcimento do desconto salarial pela ausência do CID no atestado, realizado com base em norma coletiva da categoria – uma das cláusulas exige a indicação do código. O empregado também requereu uma indenização por danos morais.
O empregado argumentou pela invalidade da cláusula por ferir os direitos constitucionais à intimidade e à privacidade, com base no art 5º, X, da Constituição Federal. De acordo com o autor, a exigência do CID “obriga o trabalhador a divulgar informações acerca de seu estado de saúde, sempre que exercer o seu direito de justificar a ausência no trabalho, por motivo de doença comprovada”.
Primeiro grau
Entretanto, o juízo de primeiro grau absolveu a empresa, considerando uma decisão semelhante realizada em 2014 pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). Na ocasião, o Ministério Público do Trabalho de Santa Catarina (MPT/SC) tentou anular, sem sucesso, cláusula com o mesmo teor inserida em convenção coletiva firmada pelas mesmas entidades sindicais.
Na sentença, o juízo da VT de Timbó fundamentou que a necessidade de haver a indicação do tipo da doença é justamente para saber se ela inviabiliza o trabalho do empregado, inexistindo, segundo a decisão, violação constitucional em relação a isso.
Com base na reforma trabalhista (Lei 13.467/2027), o juízo observou também que o direito à intimidade, em sentido amplo, não está no rol de direitos que não podem ser negociados em convenção ou acordo coletivo de trabalho (Art. 611-B).
Segundo grau
Não satisfeito, o trabalhador recorreu ao tribunal, e o processo foi distribuído para a 2ª Turma. O colegiado decidiu em favor do trabalhador quanto à restituição dos valores, porém negou a indenização por danos morais, mantendo neste ponto o entendimento do primeiro grau.
O desembargador Roberto Basilone Leite, relator do processo, retomou a análise realizada pela desembargadora Mirna Bertoldi em processo com tema similar, julgado pelo TRT-SC em 2021. Também salientou que houve uma mudança na jurisprudência da Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do TST, em 2019 e 2020, que dispensou o CID no atestado.
Ainda de acordo com o relator, não cabe assumir que a intimidade do trabalhador seja protegida por simples dever de sigilo do empregador, uma vez que já seria direito do próprio empregado que a empresa não tenha conhecimento da doença que o acomete. “Dessa forma, não há como reconhecer a validade de previsão normativa que exige a informação de CID em atestados médicos, porquanto tal exigência ofende direitos indisponíveis”, afirmou.
Basilone Leite observou ainda que a cláusula em discussão não prevê falta injustificada na ausência do CID, nem que o salário teria que ser descontado. “A norma é clara e precisa ao tratar da consequência para o descumprimento da obrigatoriedade de indicação do CID estabelecida, qual seja, repete-se: a possibilidade de o INSS negar benefício previdenciário”, explicou.
Relativo ao dano moral, o desembargador julgou que não foi comprovada violação à intimidade, à vida privada, à honra ou à imagem do vigilante, já que sua doença não foi revelada.
Nº do processo: ROT 0000525-59.2023.5.12.0052
FONTE: TRT12