Conferência Estadual dos Advogados: “ser político não torna a pessoa corrupta”, diz Miguel Reale Júnior
12 de setembro de 2014Assessor especial de Ulysses Guimarães na Constituinte e Ministro da Justiça no governo FHC, Miguel Reale Júnior acredita que, apesar da desconfiança geral em relação aos políticos, “crescente na medida em que houve muita corrupção mesmo”, e cujo ápice foi o mensalão – “o fato mais grave ocorrido na vida brasileira no plano da corrupção” – , ele pondera que “ser político não torna a pessoa corrupta”.
Reale Júnior, hoje um dos mais respeitados criminalistas do País, tendo inclusive participado da Comissão Elaboradora da Parte Geral do Código Penal e da Lei de Execução Penal, na década de 80, encerrará a 17ª Conferência Estadual dos Advogados, que será em Brusque, de 21 a 23 deste mês. Falará sobre a Lei Anticorrupção, que entrou em vigor este ano, e a prática da Compliance, programas de obediência às leis desenvolvidos por empresas para adequação às normas.
Programação e inscrições no site www.conferenciaoabsc.com.br.
Qual será sua abordagem na Conferência Estadual dos Advogados?
Primeiro, uma análise do aspecto da corrupção como uma preocupação internacional, e que passou a ser objeto de convenções internacionais. A corrupção não só no plano público, mas também entre particulares, no setor privado.
E depois, o que se denomina, dentro da da soft law, que são as leis não promulgadas por um Estado, mas por tratados internacionais, as obrigatoriedades que foram estabelecidas para a prevenção à corrupção, especialmente com a exigência que estabelece a responsabilidade não penal, mas a responsabilidade civil e administrativa das pessoas jurídicas por atos de corrupção, além da responsabilidade penal pessoal.
E a vigência, cada vez mais presente no mundo empresarial, da Compliance, ou seja, dos acordos de governança, e também examinar os riscos que isso pode haver com a eventual transferência desses critérios de responsabilidade objetiva no campo de direito penal, muito especialmente nos crimes omissivos.
Qual sua avaliação sobre o tratamento da legislação à corrupção desde a Constituição de 1988?
A legislação sem dúvida estabeleceu um maior rigor, o que não impediu que atos de grande corrupção fossem realizados, a começar pelo mensalão, que no plano da corrupção foi o fato mais grave ocorrido na vida brasileira. Foi efetivamente a quebra das instituições.
O senhor percebe haver uma premissa geral de que todo político é corrupto?
Esse é um fato vulgar, de conhecimento público, mas não existe isso. Não vejo nenhum estabelecimento em termos de averiguação, investigação, dessa quebra da presunção de inocência de que todo político é corrupto. Eu fui político, ministro da justiça, e não admito que se pense uma coisa dessas. No seio da população pode haver desconfiança de que muitos políticos são corruptos, mas não que o fato de ser político torna a pessoa corrupta. Essa é uma desconfiança que sempre esteve presente no espírito da população, mas não só no Brasil. É crescente na medida em que houve muita corrupção mesmo. A visibilidade dela é grande. Basta ler os jornais todos os dias.
Qual imagem a advocacia atual está cultivando?
A advocacia está passando por momento de grande crise, por vários fatores. Primeiro, um crescimento vertiginoso do mercado. Apesar do Exame de Ordem há um número muito grande de bachareis, com a possibilidade de queda, muitas vezes, do plano ético. Você vê o número de processos disciplinares que se estabelecem. E, por outro lado, os advogados mantêm também a imagem pública de pessoas que lutam pela justiça. Apesar desses prejuízos, o advogado mantém ainda uma imagem de credibilidade, que se compromete, sem dúvida, por causa da queda no nível ético, muitas vezes decorrente da chegada de um sem número de advogados num mercado extremamente competitivo.
Há advogados criminalistas que reclamam de ter a própria imagem associada ao cliente. O senhor vê isso?
Não. Sou advogado criminal há 50 anos e não vejo nenhuma confusão entre o advogado e o cliente. Acho que existe uma distinção e a população pode se revoltar contra alguém, mas não se revolta contra quem o defende.
ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DA OAB/SC