Convocada audiência pública em ação que discute descriminalização do aborto até 12ª semana de gestação
27 de março de 2018A ministra Rosa Weber, relatora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, convocou audiência pública para discutir a questão relativa à recepção, pela Constituição Federal de 1988, dos artigos 124 e 126 do Código Penal, que instituem a criminalização da interrupção voluntária da gravidez, pela ordem normativa vigente. Os interessados em participar do evento têm até o dia 25 de abril para solicitar inscrição. A audiência deve ser realizada no início do mês de junho, em data a ser posteriormente confirmada.
A ADPF 442 foi ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que sustenta que os dois dispositivos do Código Penal afrontam postulados fundamentais como a dignidade da pessoa humana, a cidadania, a não discriminação, a inviolabilidade da vida, a liberdade, a igualdade, a proibição de tortura ou o tratamento desumano e degradante, a saúde e o planejamento familiar das mulheres e os direitos sexuais e reprodutivos. A pretensão é que o STF exclua do âmbito de incidência dos dois artigos a interrupção da gestação induzida e voluntária realizada nas primeiras 12 semanas, “de modo a garantir às mulheres o direito constitucional de interromper a gestação, de acordo com a autonomia delas, sem necessidade de qualquer forma de permissão específica do Estado, bem como garantir aos profissionais de saúde o direito de realizar o procedimento”.
Em novembro de 2017, a relatora indeferiu pedido de medida cautelar de urgência que visava à suspensão de prisões em flagrante, inquéritos policiais e andamento de processos ou decisões judiciais baseados na aplicação dos artigos 124 e 126 do Código Penal a casos de aborto voluntário realizado nas primeiras 12 semanas de gravidez.
Informações
A fim de instaurar o debate constitucional e a configuração e o alcance do problema jurídico, a ministra solicitou informações à Presidência da República, ao Senado Federal, à Câmara dos Deputados, à Advocacia-Geral da União (AGU) e à Procuradoria-Geral da República (PGR).
Em resposta ao pedido, a Presidência da República sustenta a existência de “desacordo moral razoável” sobre a questão na sociedade brasileira, diante da ausência de consenso mínimo acerca das concepções morais, filosóficas e mesmo religiosas sobre a matéria. Por isso, defende que o espaço adequado para discutir e decidir politicamente a matéria é o Poder Legislativo, responsável “por tutelar o pluralismo político, premissa para a legitimidade das decisões políticas majoritárias”.
O Senado Federal, por sua vez, esclarece que os artigos questionados na ADPF não foram objeto da reforma legislativa empreendida no Código Penal (Lei 7.209/1984) e assinala que o artigo 2º do Código Civil de 2002 assegura direitos ao feto viável. Afirma também que o Parlamento está promovendo as discussões pertinentes para eventual modificação do parâmetro legal (petição 17722/2017).
No mesmo sentido, a Câmara dos Deputados defende que a descriminalização da conduta, se for o caso, deverá ocorrer por intermédio do Poder Legislativo, e lembra que, ao analisar o Projeto de Lei 1.135/1991, a Câmara considerou a proposta “inconstitucional e inoportuna”. Informa ainda que tramitam naquela Casa diversas proposições que preveem a proteção da vida desde a concepção e, por outro lado, projetos que descriminalizam o aborto.
A AGU, em sua manifestação, defende a validade constitucional das normas questionadas e sustenta que o aborto não foi diretamente disciplinado pela Constituição, não sendo possível inferir de seu texto a existência de suposto direito constitucional a ele.
Complexidade
Segundo a ministra Rosa Weber, a questão da interrupção voluntária da gravidez nas 12 primeiras semanas envolve diferentes valores públicos e direitos fundamentais. A discussão, a seu ver, é um dos temas jurídicos “mais sensíveis e delicados”, pois envolve razões de ordem ética, moral, religiosa e de saúde pública e a tutela de direitos fundamentais individuais.
“A complexidade da controvérsia constitucional, bem como o papel de construtor da razão pública que legitima a atuação da jurisdição constitucional na tutela de direitos fundamentais, justifica a convocação de audiência pública como técnica processual necessária”, assinalou a relatora.
Inscrições
Os interessados em participar deverão manifestar seu interesse pelo e-mail adpf442@stf.jus.br até o dia 25/4. A seleção levará em conta critérios como representatividade, especialização técnica e expertise e a garantia da pluralidade da composição da audiência e das perspectivas argumentativas a serem defendidas. Os postulantes também deverão apresentar justificativas que demonstrem capacidade técnica e/ou jurisdicional da sua contribuição para o diálogo sobre a questão.
Leia a íntegra da decisão de convocação de audiência pública.
FONTE: STF