Definições do STJ sobre cabimento, legitimidade e outras questões do mandado de segurança
21 de junho de 2021Segunda classe processual listada na Constituição Federal entre as competências do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o mandado de segurança é uma ação para a tutela de direito líquido e certo.
No caso do STJ, os mandados de segurança de competência originária – quando o processo é ajuizado diretamente no tribunal – são aqueles contra ato de ministro de Estado, dos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ou contra ato de ministro do próprio tribunal.
Atualmente, a Lei 12.016/2009 disciplina o mandado de segurança individual ou coletivo, estabelecendo hipóteses de cabimento, competência e rito de processamento.
Além dos mandados de segurança de competência originária, o STJ julga recursos contra decisões denegatórias de mandado de segurança em segunda instância e ainda discute questões como legitimidade e cabimento dessa ação constitucional que lhe chegam por outros meios processuais.
Substituição processual dispensa autorização
Ao julgar o Recurso Especial 1.841.604, a Segunda Turma afirmou que, na hipótese de mandado de segurança coletivo, há substituição processual, por meio da qual o impetrante – por exemplo, uma associação – atua em nome próprio defendendo direito alheio, pertencente aos associados ou a parte deles, sendo desnecessária, para a impetração, a apresentação de autorização dos substituídos, ou mesmo a sua lista nominal.
O recurso tratava da situação de um oficial militar que buscou executar a sentença favorável à associação de classe que impetrou o mandado de segurança.
A União, recorrente, alegou que o militar não tinha legitimidade para a execução, já que não fez parte da relação processual. Sustentou que houve um equívoco – comum na análise da legitimidade extraordinária em processo coletivo – em igualar a substituição processual própria das associações que impetram mandado de segurança coletivo com aquela exercida pelos sindicatos em qualquer ocasião, o que não teria amparo jurídico.
Ao rejeitar a tese da União, o ministro Mauro Campbell Marques, relator, explicou que não se aplica ao mandado de segurança a tese do Supremo Tribunal Federal (STF) – fixada no Recurso Extraordinário 612.043 – segundo a qual a eficácia subjetiva da coisa julgada formada a partir de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por associação civil na defesa de interesses dos associados, somente alcança quem era filiado antes da propositura da demanda e residia no âmbito da jurisdição do órgão julgador.
“Referido entendimento diz respeito apenas aos casos de ação coletiva ajuizada sob o rito ordinário por associação, quando atua como representante processual dos associados, segundo a regra prevista no artigo 5º, XXI, da Constituição Federal, hipótese em que se faz necessária, para a propositura da ação coletiva, a apresentação de procuração específica dos associados, ou concedida pela assembleia geral convocada para esse fim, bem como lista nominal dos associados representados”, explicou.
O relator destacou que, no mandado de segurança, a hipótese é de substituição processual, diversa da representação.
Dúvida sobre o recurso cabível
A Quarta Turma, ao julgar o Recurso em Mandado de Segurança 58.578, admitiu a impetração em situação na qual havia dúvida razoável sobre a possibilidade de interposição de recurso.
O relator, ministro Raul Araújo, explicou que o mandado de segurança contra ato judicial é aceito, pelo menos, em quatro hipóteses excepcionais: decisão judicial teratológica; decisão contra a qual não caiba recurso; para dar efeito suspensivo a recurso que não o tenha; quando impetrado por terceiro prejudicado por decisão judicial.
No caso analisado, o mandado de segurança foi impetrado contra ato judicial que afastou a competência das varas de fazenda pública para julgar uma ação de usucapião, por entender que não ficou comprovado que o imóvel se localizava em terras públicas – o que justificaria o interesse do Estado.
Assim, diante de dúvida razoável, sob o Código de Processo Civil de 2015, quanto ao cabimento de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que examina competência – considerando a existência de entendimentos divergentes no próprio STJ e a pendência do julgamento de recurso repetitivo sobre o tema –, o relator afirmou que era adequada a impetração do mandado de segurança.
Decisão judicial que não admite recurso
Em outro caso relatado pelo ministro – desta vez, em segredo judicial –, a Quarta Turma decidiu pelo cabimento de mandado de segurança para impugnar decisão que tenha determinado a conversão de agravo de instrumento em agravo retido.
No âmbito de uma ação de alimentos, o executado entrou com agravo de instrumento contra decisão que determinou a inclusão da mãe das crianças no polo ativo. O juiz da causa converteu o agravo de instrumento em agravo retido; na sequência, o executado entrou com o mandado de segurança.
O relator destacou entendimento do STJ no sentido de que, não sendo cabível a interposição de recurso contra a decisão do relator que converte o agravo de instrumento em retido, admite-se contra tal ato judicial a impetração de mandado de segurança, pois, em situações como essa, o único outro caminho seria o pedido de reconsideração.
Controle da competência dos juizados especiais
No RMS 17.524, a Corte Especial admitiu a possibilidade de impetração de mandado de segurança para o reconhecimento de incompetência absoluta dos juizados especiais para o julgamento de uma demanda, ainda que já existisse no processo decisão definitiva de turma recursal da qual não cabia mais recurso.
A relatora da matéria, ministra Nancy Andrighi, afirmou que o mandado de segurança versava sobre a competência dos juizados especiais para conhecer do processo. “Em outras palavras, o controle que se pretende através do writ não é da decisão, mas da possibilidade de a lide ser julgada por membro dos juizados especiais”, esclareceu.
“Embora haja outras formas de promover referido controle, a forma mais adequada é a do mandado de segurança, por dois motivos: em primeiro lugar, porque haveria dificuldade de utilização, em alguns casos, da reclamação ou da querela nullitatis; em segundo lugar, porque o mandado de segurança tem historicamente sido utilizado nas hipóteses em que não existe, no ordenamento jurídico, outra forma de reparar lesão ou prevenir ameaça de lesão a direito”, explicou.
Nancy Andrighi ressaltou não haver na lei dos juizados especiais a previsão de mecanismo de controle da competência das decisões proferidas por eles. “É, portanto, necessário estabelecer esse mecanismo por construção jurisprudencial”, afirmou.
Matéria já tratada em recurso especial
Por outro lado, não cabe mandado de segurança perante o tribunal anterior para discutir matéria já versada em recurso especial pendente de apreciação do STJ, ainda que os vícios apontados não sejam passíveis de revisão no especial.
Relatora da Reclamação 8.668 na Segunda Seção, a ministra Nancy Andrighi explicou que, embora os vícios apontados por uma das partes não fossem passíveis de revisão no recurso especial, “o fato é que eles integraram o recurso especial e, portanto, a respectiva decisão estava sob a incumbência desta corte. Nessas situações, há clara invasão de competência na impetração”, concluiu.
Erro na indicação da autoridade coatora
Uma situação comum no STJ é o mandado de segurança impetrado equivocadamente contra autoridade sujeita à sua jurisdição – muitas vezes, incluindo de forma indevida ministros de Estado no polo passivo.
No ano passado, ao decidir o Mandado de Segurança 26.092, o ministro Gurgel de Faria, relator, afirmou que não iria analisar o mérito do pedido da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) para adiar a realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2020, pois a impetração era contra o ministro da Educação.
Gurgel de Faria destacou que as impetrantes apenas citaram editais lançados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), autarquia vinculada ao Ministério da Educação responsável pela realização do exame.
A UNE e a Ubes afirmaram que o Inep é subordinado ao Ministério da Educação – o que justificaria, segundo elas, o ajuizamento do mandado de segurança contra o ministro.
O relator ressaltou que, de acordo com o artigo 105, I, “b”, da Constituição, o STJ tem competência para julgar mandados de segurança contra atos de ministros de Estado, mas não foi apresentado pelos impetrantes nenhum ato do ministro da Educação, havendo apenas atos do Inep.
“Inexistindo ato concreto praticado pelo ministro de Estado da Educação, evidencia-se a sua ilegitimidade e, em consequência, a incompetência do STJ para processar e julgar o presente feito”, concluiu.
Enquadramento no Simples Nacional
Em questões envolvendo o fisco, a determinação da autoridade coatora é causa de frequentes controvérsias. No Recurso Especial 1.319.118, a Primeira Turma analisou o mandado de segurança por meio do qual uma empresa pretendia ingressar no Simples Nacional. O pedido administrativo foi rejeitado pela autoridade tributária estadual do Rio Grande do Sul, diante da existência de débitos fiscais.
Em primeira instância, o mandado de segurança foi extinto sem resolução de mérito, devido à ilegitimidade passiva do delegado da Receita Federal, apontado como autoridade coatora. Segundo a decisão, as pendências da empresa, que motivaram a rejeição do pedido, eram com o fisco estadual.
No recurso especial, a empresa alegou que não estava discutindo as pendências fiscais, mas a negativa de enquadramento no Simples em razão dessas pendências, e que o órgão competente para decidir se o contribuinte pode optar por esse regime é a Receita Federal.
O relator do recurso, ministro Benedito Gonçalves, declarou que as questões tributárias que impeçam o ingresso no Simples devem ser resolvidas entre o contribuinte e o ente tributante correspondente. Ele observou que, segundo o artigo 41 da Lei Complementar 123/2006, os processos sobre tributos abrangidos pelo Simples Nacional serão ajuizados contra a União, salvo os mandados de segurança em que o ato coator seja de autoridade dos estados, municípios ou do Distrito Federal.
Ao negar provimento ao recurso, o relator destacou ainda que o ato de indeferimento de ingresso no Simples Nacional pela existência de débitos para com os fiscos federal, estaduais, municipais ou distrital é de responsabilidade da administração tributária do respectivo ente federado, conforme a regulamentação do Comitê Gestor do Simples Nacional.
Teoria da encampação
O RMS 42.070 discutiu o caso de um candidato aprovado em concurso público que, alegando direito líquido e certo à nomeação, impetrou mandado de segurança contra o secretário estadual de administração, o qual, por delegação do governador, teria competência para nomear os servidores.
Na Justiça estadual, o processo foi extinto sob o fundamento de que a competência para a nomeação seria privativa do governador – havendo, portanto, ilegitimidade passiva do secretário.
No STJ, o relator, ministro Napoleão Nunes Maia Filho (aposentado), deu provimento ao recurso e remeteu o processo de volta à Justiça estadual para que analisasse o mérito do pedido.
O magistrado destacou que, antes da atual Lei do Mandado de Segurança, prevalecia o entendimento de que somente poderia figurar no polo passivo autoridade competente para desfazer o ato tido por ilegal ou abusivo.
Tal situação, segundo ele, trazia “notável redução” na eficiência da ação constitucional, além de complicar, muitas vezes, a identificação do agente estatal legitimado passivamente, o que levou à criação de entendimentos e teorias como a da encampação, sempre com o objetivo de facilitar o acesso ao Judiciário por meio do afastamento de exageros formalísticos em detrimento do próprio direito material.
“A Lei 12.016/2009 tentou solucionar a questão, ao prever como autoridade passível de legitimidade passiva do pedido de segurança não somente a autoridade mais próxima ou imediata que dá execução ao ato, mas também a que detenha poderes e meios para executar o futuro mandamento”, explicou.
O ministro destacou que a autoridade indicada como coatora, no caso julgado, era vinculada à mesma pessoa jurídica de direito público da qual deveria emanar o ato de nomeação. Além disso, ao prestar informações, o secretário enfrentou o mérito e sustentou que o candidato não deveria ser nomeado. Tais fatos, para o relator, permitem afastar o fundamento da ilegitimidade passiva e determinar o prosseguimento da demanda.
Governador não lança tributos
No RMS 42.792, a Segunda Turma apontou que governadores e secretários estaduais da fazenda não têm legitimidade para responder por atos de natureza tributária, já que não possuem competência legal para lançar tributos ou constituir créditos tributários.
Na ocasião, uma empresa buscou evitar a cobrança de ICMS com base em decreto estadual, impetrando o mandado de segurança na Justiça estadual contra o secretário da Fazenda e o governador.
“Tais atividades, por determinação legal, são atribuídas a outras autoridades fiscais, de escalão hierárquico subalterno. Assim, na hipótese, inexiste ato que possa ser atribuído ao governador do estado ou ao secretário de Fazenda”, explicou o relator do processo, ministro Mauro Campbell Marques.
Mandado de segurança na jurisprudência do STJ
A Secretaria de Jurisprudência do STJ tem diversos produtos sobre o tema do mandado de segurança. Jurisprudência em Teses tratou do assunto por três vezes, nas edições 43, 85 e 91. Em cada uma delas, é possível conferir 15 entendimentos do tribunal.
A jurisprudência do STJ sobre mandado de segurança está consolidada nas Súmulas 41, 105, 169, 177, 202, 213, 333, 376, 460, 604 e 628, entre outras.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):
REsp 1841604
RMS 58578
RMS 17524
Rcl 8.668
MS 26092
REsp 1319118
RMS 42070
RMS 42792
FONTE: STJ