Engarrafadora e distribuidora são responsabilizadas por atropelamento durante entrega de gás
20 de maio de 2020A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que uma empresa engarrafadora de gás de cozinha e uma distribuidora – revendedora exclusiva da primeira – são responsáveis solidárias por atropelamento ocorrido durante entrega do produto, que culminou na morte de um menino de quatro anos, em 2008. A criança andava de bicicleta quando foi atingida pelo caminhão de entrega no momento em que o motorista realizava manobra em marcha à ré.
O colegiado negou o recurso da engarrafadora, que alegava, entre outros pontos, que não poderia ser responsabilizada pelo acidente, por ser empresa distinta da distribuidora, cujo motorista era empregado apenas dela.
O recurso teve origem em ação por danos morais e materiais ajuizada pela família da vítima contra a engarrafadora e a distribuidora. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu pela responsabilidade solidária das empresas, ao fundamento de que a engarrafadora se utiliza da distribuidora não apenas para se manter competitiva no mercado, mas para ampliar o seu campo de atuação.
Cadeia produtiva
O relator do recurso no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, explicou que a teoria do risco ganhou destaque no Código de Defesa do Consumidor (CDC), o qual ampliou o campo de incidência da responsabilidade, que passou a alcançar não apenas o fornecedor diretamente ligado ao evento danoso, mas toda a cadeia produtiva envolvida na atividade de risco.
O ministro ressaltou que o CDC prevê, nos artigos 12 a 17, a responsabilidade decorrente dos acidentes de consumo e, nos artigos 18 a 25, a responsabilidade pelo vício do produto ou do serviço. “O diploma consumerista definiu que, via de regra, o fornecedor (o fabricante, o produtor, o construtor e o importador), por ser o sujeito que coloca os produtos ou serviços defeituosos no mercado de consumo, deve assumir o risco dessa conduta e arcar com o dever de indenizar os danos acarretados do mau serviço”, disse.
Salomão destacou que a principal diferença entre os artigos 12 e 14 do CDC está na designação dos agentes responsáveis: enquanto o artigo 12 trata da responsabilidade pelo fato do produto e designa como responsáveis o fabricante, o produtor, o construtor e o incorporador – excluindo o comerciante da via principal –, o artigo 14 trata da responsabilidade pelo fato do serviço, que é atribuída ao fornecedor (todos os participantes da produção).
Teoria da aparência
Ao afirmar que é incontestável a responsabilidade da distribuidora de gás pelo dano causado por seu empregado, o ministro observou que o CDC estabelece expressamente, no artigo 34, que o fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos.
“Ou seja, estabelece a existência de responsabilidade solidária de quaisquer dos integrantes da cadeia de fornecimento, que venha a dela se beneficiar, pelo descumprimento dos deveres de boa-fé, transparência, informação e confiança, independentemente, inclusive, de vínculo trabalhista ou de subordinação”, afirmou Salomão.
Essa regra, explicou o relator, é a codificação da teoria da aparência, em razão de o consumidor identificar o serviço prestado pelo próprio produto. Para ele, o caso dos autos é de incidência dessa teoria, pois não interessa ao consumidor se é a empresa A ou B que exerce a atividade de entrega do botijão de gás em sua residência, importando mais o fato de o gás ser “produzido” pela empresa engarrafadora, que o coloca no mercado.
“Essa marca é que, aos olhos do consumidor, confere identidade ao produto e ao mesmo tempo ao serviço a ele diretamente ligado. Em razão disso e, ao mesmo tempo, em consequência disso, é que se afirma a responsabilidade solidária de ambos, distribuidor e fornecedor, pela má prestação do serviço”, afirmou.
O ministro reformou o acórdão recorrido apenas para determinar que a pensão mensal devida aos pais, pela morte do filho, deverá ser estimada em dois terços do salário mínimo da data em que a vítima completaria 14 anos até os seus 25 anos de idade e, após isso, reduzida para um terço até a data em que completaria 65 anos. O acórdão determinava o pagamento mensal no valor de dois terços do salário mínimo, no mesmo período, mas reduzia o valor pela metade até a data em que a vítima completaria 72 anos de idade.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):
REsp 1358513
FONTE: STJ