Entraves no descumprimento da Pensão Alimentícia durante a Pandemia da Covid-19
5 de maio de 2021RESUMO
O presente estudo tem por objetivo tratar dos reflexos negativos na economia ocasi-onada pela pandemia do COVID-19, e em específico tratar dos entraves acometidos para o devedor de seu (in)adimplemento da obrigação alimentícia. É licito considerar nestes termos, que no descumprimento desta acarreta-se na única possível prisão em caráter cível descrita em nosso ordenamento jurídico, a prisão narrada no art. 5º, LXII onde trás á baila a possibilidade da prisão civil para o devedor de alimentos. Por meio de uma pesquisa bibliográfica e descritiva, este artigo cientifico procurou esta-belecer a possível influência que a crise financeira acarreta no descumprimento da pensão de alimentos. Foi também registrado neste jurisprudências e recomendações no sentido de customizar à atual situação humanitária, a prisão do devedor de ali-mentos.
Palavras-Chave: Alimentos, Prisão, Crise, Jurídico.
ABSTRACT
The present study aims to deal with the negative effects on the economy caused by the pandemic of COVID-19, and specifically to deal with the obstacles affected for the debtor of his (in) performance of the maintenance obligation. It is lawful to consider in these terms, that failure to comply with this will result in the only possible civil impri-sonment described in our legal system, the arrest described in art. 5th, LXII where it raises the possibility of civil imprisonment for the maintenance debtor. Through a bi-bliographic and descriptive research, this scientific article sought to establish the pos-sible influence that the financial crisis has on the non-compliance with the alimony. It was also registered in this jurisprudence and recommendations in order to customize to the current humanitarian situation, the imprisonment of the food debtor.
Keywords: Food, Prison, Crisis, Legal.
INTRODUÇÃO
O instituto da pensão alimentícia tem por objetivo trazer o entendimento de patrinômio mínimo para o alimentando (ente que necessidade do aludido auxílio financeiro para sob existência), respeitando assim princípios constitucionais como da dignidade da pessoa humana e o da solidariedade social (TARTUCE, 2029, p. 1575)
Malgrado, tal instituto vêm apoiado em um binômio (necessidade/possibilidade), onde para a imposição da pensão alimentícia o alimentado precisa expor ao juízo sua possibilidade financeira para tal, sem que esta interfira em seu sustento próprio.
Pois é licito em ambas as partes o retorno ao juízo para reclamar quanto a pensão de alimentos, quer seja por seu descumprimento, quer seja pela falta de condições de adimplemento.
Em março de 2020, veio a tona no mundo a maior crise sanitária desde a Gripe Espanhola 1918, trazendo entre outros queda de poder econômico, deficit financeiro, desempregos.
Somado a isto, como no inicio da pandemia não se sabia muito sobre os cuidados necessários e tratamentos contra o vírus, foi o isolamento social a forma imediata de cuidado com a população mundial, trazendo a brusca queda na economia e influenciando nos trabalhadores formais e informais no Brasil.
Nisto, o presente trabalho tem como finalidade trazer à baila de que forma essa crise econômica-sanitária interferiu e interfere ainda nos dias atuais, na exigência do cumprimento da obrigação alimentícia, pois os custos de tudo, aumentam em uma baixa econômica.
Mas também, trataremos sobre os direitos e garantias do devedor que impulsionado pela falta de condições financeiras e/ou perda de emprego, possuem nestas circunstâncias. Tratará também sobre as formas em que o Estado, detentor do poder/dever, vêm agindo quanto ao resguardo da vida deste em face à prisão pela dívida alimentícia.
DESENVOLVIMENTO
Prisão Civil do Devedor de Alimentos na Constituição Federal
No ordenamento jurídico brasileiro a carta magna tem força suprema em relação as demais leis no ordenamento jurídico. Assim como dito por Masson (2018, p.60), a constituição é o documento central e balizador o direito quer público ou privado, essa supremacia tem caráter principiológico onde todas as demais normas jurídicas tendem a ser submissas.
Deste modo podemos na observação do inciso LXII do art. 5º da Constituição Federal, garantir que em nosso país não há prisão de cunho civil (não cumprimento de qualquer que seja a obrigação), na exceção:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXVII – não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;
(grifos nossos)
Malgrado o Pacto de São José da Costa Rica, mais conhecido como a Convenção Americana de Direitos Humanos promulgado em 1969, com seu caráter supralegal alinhado a nossa Carta Magna, diz no seu art. 7º, item 7 que: “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”.
Se, contudo, o devedor deixou de pagar os alimentos, porque não tem mais condições para fazê-lo, sua prisão não deverá ser decretada. Por outro lado, ele pode, sim, apesar da influência negativa da Covid -19 na economia, ter condições de pagar os alimentos, posto não ter sido atingido por uma perda financeira tal, que o obrigasse a tanto, para poder manter-se. (MONTEIRO & GOZZO, 2020, p. 146)
Nestes moldes Mazzuoli (2002) nos mostra que quanto à prisão civil observado o art. 7º, 7, do Pacto de San José da Costa Rica o qual aderido em sua integra pelo Brasil, exclui a possibilidade da prisão por dívidas e restam ao ordenamento jurídico brasileiro, tão apenas a possibilidade de prisão civil para o devedor de alimentos.
Nisto, assegurado a legalidade da prisão civil na ocasião do descumprimento do pagamento da obrigação alimentícia, não tem caráter punitivo por parte do Estado, assim, uma vez paga a quantia devida ao alimentando, em imediato far-se-á a soltura do então devedor.
Tartuce (2018, p. 788) afirma que, “no plano conceitual e em sentido amplo, os alimentos devem compreender as necessidades vitais da pessoa, cujo objetivo é a manutenção da sua dignidade: a alimentação, a saúde, a moradia, o vestuário, o lazer, a educação, entre outros”.
Prestação de Alimentos no Brasil
Para Monteiro & Gozzo (2020), a prestação de alimentos é um instituto que vai muito além de mero auxílio nos alimentos “in natura”, mas também se considera nes-te a moradia, lazer, saúde, educação, visando também a equivalência de outros filhos caso seja alimentos à herdeiros.
Assim, especificamente em relação à família, previu o art. 226, §5º, que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Em relação aos filhos, o art. 227, §6º, proibiu qualquer distinção entre os filhos, adotados ou não, tidos no âmbito da relação do casamento ou não. (SILVA, 2020, p. 04)
(grifos nossos)
Neste mesmo sentido Santos et. al. (2020) relaciona o direito com a Pirâmide de Maslow, onde ao fazermos a analogia podemos induzir quanto as necessidades do menor, em todas as etapas/ciclos devam ser consideradas na instrução valorativa da pensão alimentícia.
Alimentos são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si. A expressão designa medidas diversas. Ora significa o que é estritamente necessário à vida de uma pessoa, compreendendo, tão somente, a alimentação, a cura, o vestuário e a habitação, ora abrange outras necessidades, compreendidas as intelectuais e morais, variando conforme a posição social da pessoa necessitada. (ALENCAR, 2020, p. 03 apud GOMES, 1999, p. 427 )
Ademais, é necessário o registro de que mesmo tratando-se de um instituto que visa também regularizar a situação do menor em casos de pais separados, nada tem em semelhança com o instituto da regularização de visita, dos genitores, responsáveis e/ou tutores. Assim trata o autor:
O direito de visita dos pais e o de ser alimentado que têm os filhos, não são correlatos, porquanto são regulados com independência, o que não autoriza a oposição de defesas semelhantes à exceptio non adimpleti contractus. Entretanto, o pai inadimplente revela despreocupação com o bem estar de seu filho, cuja atitude pode influenciar na concessão do exercício efetivo e imediato do direito de visita. (GRISARD FILHO,2015, p. 10)
Segundo Tartuce (2018, p. 1575), o pagamento da obrigação de alimentos visa o cumprimento por parte dos alimentandos do “princípio da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar, ambos de índole constitucional”. Registra-se ainda que o art. 1694 e 1695 do Código Civil/2002, trata dos pressupostos para a obtenção do dever de prestar alimentos.
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
§ 2º Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.
Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
Noutro aspecto Monteiro e Gozzo (2020), trazem a lembrança de que a obrigação de alimentos tem como fundamento o binômio necessidade/possibilidade, onde traz a baila a consideração da situação atual do alimentando. Onde este, não pode comprometer sua subsistência em caso de perda de emprego e/ou instabilidade financeira.
Pois assim também deva-se considerar que na situação de crise econômica que afeta não somente o brasil, mas o mundo por conta da pandemia do COVID-19, onde trouxe instabilidade para os trabalhadores informais assim como um aumento de demissões entre os trabalhadores formais.
Trazendo neste aspecto, um cenário de possível descumprimento da obrigação de alimentos por parte do alimentando, e aumento da necessidade do alimentado, pois seus gastos aumentam neste momento. (SILVA, 2020, p. 16)
Do descumprimento da obrigação alimentícia na pandemia do COVID-19
Inicialmente devemos “considerar o período de crise econômica que precede a pandemia do Coronavírus é crucial para entender os impactos complexos no curto prazo, a resposta a eles, bem como as sequelas que serão deixadas no longo prazo”. (GANDRA, 2020, p. 06)
Para Melo & Cabral (2020) as inseguranças financeiras cercaram as relações comerciais do Brasil e do mundo. Nisto, acarretando na maior crise humanitária vivenciada após a Segunda Guerra Mundial, tirando vidas e atingindo financeiramente as o nicho da sociedade mais vulnerável.
Somado a isto, em especial no Brasil por conta da carência estrutural e a intima ligação econômica com a China (origem do surto viral), o impacto e a descredibilidade no mercado internacional acarretou em demissões, fechamento de industrias e déficit financeiro.
Com a decretação do fechamento de vários ramos da economia resultante do isolamento social, tem afetado os rendimentos dos trabalhadores, principalmente dos autônomos e informais, e isso pode gerar uma eventual inadimplência das obrigações alimentares quando devidos de ambos os genitores. Com isso, observa-se que a aptidão financeira do alimentando é de certa forma, reduzida e a carência do alimentando se amplia, seja no diz respeito ao aumento das despesas domésticas, como luz, água e alimentação, já que os filhos estão em período integral em casa devido às orientações da OMS (SIL-VA, 2020, p. 16)
Considerando que esta situação pegou toda a humanidade de surpresa, não aconteceu diferente no ordanamento jurídico mundial, entretanto, fora laçado mão de analogias e doutrinas para sanar a carência de conhecimento sobre as consequências jurídicas deste momento.
Assim, os julgados recorrentes iniciaram a nova modulação legal, assim como e os estrangeiros como no caso do direito uruguaio por exemplo:
A fim de se obter que o pagamento da pensão se dê em forma regular, aplicável as astreintes, como marco dissuasivo da demora. Medidas cautelares podem ser decretadas quando é demonstrado que o obrigado vem alienando parte de seus bens e corre o risco de cair em insolvência. Conforme o Código de Menores, uma vez iniciada a ação de alimentos, “o demandado não poderá ausentar-se do pais sem deixar garantia suficiente sempre que assim solicite o autor.” (GRISARD FILHO,2015, p. 11)
E diante do caos judiciário vivido na reorganização por conta da situação da pandemia, a Recomendação nº 62/ 2020 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ:
Art. 6º Recomendar aos magistrados com competência cível que considerem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus.
Neste diapasão Maria Clara da Silva (2020), traz em seu estudo que ademais da obrigação alimentar “possuir critério de obrigatoriedade e, em hipótese alguma é extinta ou exonerada de forma automática. Tanto é que, nem a maioridade civil, apesar de afastar o poder familiar”.
Fazendo assim necessário que em caso de quebra do binômio necessidade/possibilidade, o ente reclamante vá ao judiciário com o intuito de demostrar o desequilíbrio desde e ainda demostrando os reflexos financeiros negativos impodo o pagamento dos alimentos em sua impossibilidade de autossustento.
Assim, pleiteando neste baixar ou até em determinadas circunstâncias, exonerar um período de pagamento da obrigação.
O STJ já consolidou o entendimento de que a ocorrência de desemprego do alimentante não é motivo suficiente, por si, para justificar o inadimplemento da obrigação alimentar, devendo tal circunstância ser examinada em ação revisional ou exoneratória de alimentos.5. O decreto de prisão proveniente da execução de alimentos na qual se visa o recebimento integral das três parcelas anteriores ao ajuizamento da ação e das que vencerem no seu curso não será ela ilegal. Inteligência da Súmula nº 309 do STJ e precedentes. 6. A existência de fatos indicativos da omissão e da desídia do paciente em relação a obrigação alimentar do filho, da qual tinha plena ciência antes de sumir e deixá-lo desamparado por 5 (cinco) anos, não pode ser chancelada pelo Poder Judiciário. 7. Habeas corpus denegado. (HC 465.321/SP, Rel. Ministro MOURA RI-BEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/10/2018, DJe 18/10/2018).
Segundo Rodrigues (2021, p. 09) mesmo em casos de prisão pelo não pagamento da obrigação de alimentos, é necessário que seja observada a importância do respeito ao princípio do “Ne Bis In Idem”, resta na impossibilidade do pedido recorrente e limitando a uma única vez, assim, sendo o Estado responsável por esta equIvalência principiologica.
CONCLUSÃO
Com base no exposto no discorrer do presente trabalho científico, é possível concluir quanto a significativa influência que a atual crise financeira, acarretada pela pandemia global do Coronavírus (COVID-19), impõe no descumprimento da obrigação de alimentos por parte do devedor. Sabemos ainda que na Carta Magna do nosso país, a única possibilidade de prisão por dívida de caráter civil, é justamente no inadimplemento dos alimentos, conforme o art. 5º da CF/88.
Entretanto, no decorrer deste fora dito que a pensão alimentícia está amparada pelo binômio necessidade/possibilidade, e que na quebra de um destes (credor/devedor, respectivamente), é licito encaminhar a situação ao judiciário, afim de que não seja a prisão decretada. Ademais, por conta da praga viral do COVID-19, órgãos do judiciário recomendam a modulação em prisão domiciliar a prisão do referido devedor de alimentos, uma vez que trata-se de infração de mínimo potencial ofensivo, assim como, resguardar a vida deste e dos detentos que cumprem naturalmente o isolamento social, como responsabilidade Estatal.
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Artigo escrito por:
Luciane Borges Sena: Acadêmica de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus. Formanda em 2021. lucianebor-ges2021@gmail.com
Aldo Reis de Araújo Lucena Júnior: Professor Orientador. professor do curso de Direito da Universidade Luterana de Manaus – ULBRA.