Justiça reconhece a responsabilidade de plataforma digital na venda de veículos com documentação irregular
18 de setembro de 2024Uma plataforma digital de vendas e o ex-proprietário de um veículo terão 30 dias para quitar os débitos pendentes e providenciar a entrega do documento de transferência de uma kombi. Caso essas obrigações não sejam cumpridas, os réus terão de pagar uma multa diária de R$ 200,00.
A decisão, de relatoria do Juiz de Direito Maurício Ramires, da 4ª Turma Recursal do RS, manteve, por unanimidade, a sentença de 1º grau, reafirmando a responsabilidade da plataforma, solidariamente com o ex-dono, na regularização completa das transações realizadas através do site, assegurando o cumprimento dos direitos do comprador e a formalização adequada da venda.
Caso
Em dezembro de 2020, uma empresa de comércio de veículos comprou uma kombi através de um site de vendas. O veículo estava registrado em nome do último proprietário e réu solidário na ação. Embora a compra tenha sido feita por uma empresa especializada na comercialização de veículos, os réus não forneceram o Documento Único de Transferência (DUT) devidamente assinado, nem quitaram os débitos pendentes. Desde então, a empresa compradora está na posse do veículo, mas sem conseguir realizar a transferência para sua razão social. Sentindo-se prejudicada, a autora entrou com uma ação de obrigação de fazer, exigindo a entrega da documentação necessária para que possa vender o veículo.
Em primeira instncia, a ação foi julgada procedente. Inconformados com a decisão, os réus recorreram argumentando que as normas do direito do consumidor não se aplicariam ao caso por ser mera intermediadora de negócios entre empresas, cobrando apenas taxa de intermediação. E que o serviço oferecido pelo site não era responsável pelas falhas apontadas pelo comprador e que seriam de responsabilidade do ex-proprietário.
Decisão
De acordo com a decisão, a reclamação no processo não se refere ao estado do automóvel, mas sim à efetivação regular do negócio. Apesar de ter efetuado o pagamento, a empresa que adquiriu o veículo não conseguiu regularizar a transferência. Além disso, a empresa ré não provou que o comprador estava ciente de eventuais cláusulas de exclusão de responsabilidade no momento da compra. Pelo contrário, conforme o relator, o que se observa na plataforma são anúncios ostensivos que destacam a confiabilidade e a simplificação das transações, criando uma expectativa de segurança para os compradores.
“Nesse contexto, é justa a expectativa do comprador de que os produtos ali comercializados se encontrem livres e desembaraçados para a compra e venda que está sendo travada”, apontou o Juiz Ramires. Além disso, “somente seria possível afastar a responsabilidade da ora recorrente pela concretização exitosa do negócio se a plataforma tivesse deixado suficientemente claro que se tratava de veículo com pendências junto ao Detran e que havia risco de não ser possível a sua transferência. Dessa forma, a ausência de prova de que o ‘marketplace’ tenha adotado os cuidados necessários para que a compra e venda aqui discutida conectasse, efetivamente, ‘vendedores confiáveis’ ao comprador, responde ela igualmente pela obrigação de fazer perseguida na inicial”, ressaltou.
Segundo o Juiz Ramires, quanto ao argumento de que a execução específica da transferência do veículo à autora seria impossível à ré, “registro que, pela própria natureza da intermediação aqui tratada, a requerida dispõe do contato do vendedor do veículo, de modo que, em tese, lhe é possível envidar esforços para que a transferência seja enfim efetivada. De todo modo, em se confirmando a impossibilidade, em sede de cumprimento de sentença, a obrigação poderá ser convertida em perdas e danos”, concluiu o relator.
FONTE: TJRS