Boletim Jurídico – Publicações Online

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Código Civil / Notícias

Limites da curatela e a proteção da pessoa interditada

A segunda e última parte da reportagem sobre interdição e curatela na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) apresenta teses adotadas em julgamentos que discutiram temas como a escolha dos curadores, os limites do instituto da curatela e o dever de prestação de contas. Nas palavras do ministro Luis Felipe Salomão, a curatela é o encargo imposto a alguém para reger e proteger a pessoa que, por causa transitória ou permanente, não pode exprimir a sua vontade e administrar os seus bens.

O artigo 1.767 do Código Civil estabelece que estão sujeitos a esse processo: aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; os ébrios habituais e os viciados em tóxico; e os pródigos.

O reconhecimento da necessidade do curador pressupõe um processo de interdição, para o qual estão legitimados o cônjuge ou companheiro, os parentes ou tutores, o representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando e o Ministério Público (Código de Processo Civil, artigo 747).

Rol de curadores previsto em lei é exemplificativo

Com base no Código de Processo Civil (CPC), no Código Civil (CC) e no Estatuto da Pessoa com Deficiência, ao nomear o curador, o juiz deve dar preferência ao cônjuge e aos parentes do curatelado, podendo, residualmente, atribuir o encargo a outra pessoa, procurando atender ao melhor interesse do incapaz.

“Esse processo de escolha do curador pelo juiz deve levar em conta as características pessoais do interdito, observando suas potencialidades, habilidades, vontades e preferências (artigo 755, II, do CPC), o que pode ser melhor aferido através, precipuamente, da entrevista a ser realizada com a pessoa interditanda (artigo 751 do CPC)”, disse o ministro Marco Aurélio Bellizze, em julgamento de recurso especial relativo à escolha de curador para uma paciente diagnosticada com psicose esquizoafetiva.

Os irmãos da interditanda recorreram ao STJ para alterar a escolha de uma médica nomeada como curadora pelas instâncias ordinárias, sob o fundamento de que haveria conflito de interesses, pois ela já tinha trabalhado na clínica onde a irmã estava internada – cujo dono estaria cobrando um valor muito alto da paciente.

Diante desse contexto, a Terceira Turma reconheceu a inaptidão da curadora, à vista do aparente conflito de interesses (ainda que indireto) no exercício do encargo, e determinou o retorno do processo ao juízo de origem para nomeação de novo curador.

Prestação de contas do cônjuge curador em regime de comunhão total de bens

Uma vez escolhido o curador, assim como ocorre na tutela, deverá haver a prestação de contas de sua administração, pois está na posse de bens do incapaz (CC, artigos 1.755, 1.774 e 1.781). No entanto, o próprio Código Civil previu uma exceção a essa regra: quando o curador for o cônjuge e o regime de bens do casamento for a comunhão universal (artigo 1.783).

Para a Quarta Turma, contudo, a Justiça poderá determinar que seja feita a prestação de contas mesmo nessa situação. Com esse entendimento, o colegiado manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que determinou à ex-mulher de um curatelado que prestasse contas do período em que administrou os seus bens.

Segundo o processo, ele sofreu um acidente vascular cerebral em 2006 e passou a ser curatelado pela então esposa até 2009. O casamento foi celebrado com regime de comunhão total de bens. Após se recuperar do AVC, ele pediu a prestação de contas sob a alegação de que teria havido dilapidação do seu patrimônio durante o período.

“Ainda que se trate de casamento sob o regime da comunhão de bens, diante do interesse prevalente do curatelado, havendo qualquer indício ou dúvida de malversação dos bens do incapaz, com a periclitação de prejuízo ou desvio de seu patrimônio – tratando-se de bens comuns, objetos de meação –, penso que o magistrado poderá (deverá) decretar a prestação de contas pelo cônjuge curador, resguardando o interesse prevalente do curatelado e a proteção especial do incapaz”, disse o relator, ministro Luis Felipe Salomão.

De forma excepcional, poder do curador pode ser estendido a outros atos da vida civil

Como regra, os poderes conferidos ao curador englobam os atos de caráter patrimonial e negocial da vida do curatelado, conforme o artigo 85 do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015). Para a Terceira Turma, no entanto, em caráter excepcional e de forma fundamentada, esses poderes podem ser ampliados para outros atos da vida civil, sem que isso implique a declaração de incapacidade absoluta do curatelado.

Esse entendimento foi aplicado pelo colegiado em recurso no qual a Defensoria Pública de Minas Gerais, como representante de uma curatelada, recorreu de acórdão que ampliou os poderes da curadora, filha da interditada. A decisão foi tomada em razão de a genitora estar internada em estado grave e inconsciente.

O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, esclareceu que a extensão conferida à curatela, no caso, não significa que as pessoas com enfermidade ou deficiência mental estejam inseridas no rol dos absolutamente incapazes, “o que, aliás, iria de encontro à própria redação atual do artigo 3º do Código Civil, que restringe a incapacidade absoluta apenas aos menores de 16 anos”.

Na avaliação do ministro, a ampliação da curatela para outros atos da vida civil foi feita em caráter excepcional e extraordinário, a partir do reconhecimento do quadro de comprometimento global da curatelada, embasado em laudo pericial minucioso, de modo que não contrariou a lei.

Fixação de curatela compartilhada para interditado não tem caráter obrigatório

A curatela compartilhada é instituto desenvolvido pela jurisprudência que visa facilitar o desempenho da curatela ao atribuir o munus (obrigação) a mais de um curador simultaneamente.

Ao contrário do que ocorre com a guarda compartilhada, não há obrigatoriedade na fixação da curatela compartilhada, o que só deve ocorrer quando ambos os genitores tiverem interesse no exercício da curatela ou quando se mostrarem aptos ao exercício do munus, e, ainda, quando o juiz, a partir das circunstâncias do caso, considerar que a medida é a que melhor resguarda os interesses do curatelado.

O entendimento foi aplicado pela Terceira Turma em julgamento de recurso no qual o pai de um interditado alegou, entre outros pontos, que seria obrigatório que o filho fosse ouvido para se manifestar sobre a adoção da curatela compartilhada. Nesse caso, a mãe havia sido nomeada pelas instâncias ordinárias como curadora definitiva.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, lembrou que compete aos legitimados requerer a fixação da medida, não estando o juiz obrigado a estabelecer, de ofício, a curatela compartilhada, tampouco a oportunizar aos interessados a manifestação acerca do tema. No caso, o pedido da curatela compartilhada foi negado em razão de não ter sido feito formalmente pelo pai durante a tramitação do processo em primeiro grau, só sendo apresentado quando o processo já estava em fase de apelação.

Participação do Ministério Público em entrevista com o curatelado

No mesmo julgamento, a ministra se pronunciou a respeito de uma possível nulidade do processo devido à falta de comparecimento do Ministério Público (MP) à audiência de interrogatório do curatelado. Nesse ponto, a relatora destacou que, de acordo com o artigo 279 do CPC, a causa de nulidade não seria a falta de participação do Ministério Público em atos processuais, mas a inexistência de intimação – o que não aconteceu no caso, pois o órgão ministerial foi devidamente intimado.

Segundo Nancy Andrighi, se é possível ao MP se colocar contra o interesse do autor da ação de interdição, ele também pode, se for intimado, deixar de se manifestar ou de intervir na prática de ato processual quando considerar que isso é dispensável.

Terceiro interessado também pode propor ação de levantamento de curatela
O rol do artigo 756, parágrafo 1º, do CPC não enuncia todos os legitimados para propor a ação de levantamento da curatela, havendo a possibilidade de que o pedido seja ajuizado por outras pessoas, qualificadas como terceiros juridicamente interessados.

Com esse entendimento, a Terceira Turma deu provimento ao recurso de uma terceira interessada para permitir o prosseguimento da ação que discutia a necessidade de manutenção da curatela no caso de um homem que se envolveu em acidente automobilístico e posteriormente foi aposentado por invalidez.

A autora da ação de levantamento da curatela foi condenada, após o acidente, a pagar indenização por danos morais e pensão mensal vitalícia à vítima. Ela alegou que o interditado não teria mais a patologia que resultou em sua interdição, ou que teria havido melhora substancial no seu quadro clínico, o que implicaria a cessação do pensionamento vitalício.

Em primeira e segunda instâncias, o processo foi extinto sem resolução de mérito por ilegitimidade ativa da autora. Segundo a relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, a relação de legitimados prevista no CPC não é taxativa. A ministra destacou que o CPC de 2015 ampliou o rol dos legitimados, acompanhando tendência doutrinária que se estabeleceu ao tempo do código revogado.

Os números destes processos não são divulgados em razão de segredo judicial.

FONTE: STJ


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