Prazo prescricional da indenização por abuso sexual na infância não começa automaticamente na maioridade civil
30 de abril de 2024A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que, no caso de abuso sexual durante a infância ou a adolescência, o prazo prescricional da ação indenizatória não começa a correr automaticamente quando a vítima atinge a maioridade civil (atualmente, aos 18 anos). Segundo o colegiado, é preciso considerar o momento em que ela adquiriu total consciência dos danos em sua vida, aplicando-se, assim, a teoria subjetiva da actio nata.
Uma mulher ajuizou ação de danos morais e materiais contra seu padrasto, afirmando que sofreu abusos sexuais na infância. Alegou que, apesar dos abusos terem ocorrido entre seus 11 e 14 anos, só na idade de 34 as memórias daqueles fatos passaram a lhe causar crises de pânico e dores no peito, a ponto de procurar atendimento médico. Para amenizar o sofrimento, disse ter iniciado sessões de terapia, nas quais entendeu que a causa das crises eram os abusos sofridos na infância – situação atestada em parecer técnico da psicóloga.
O juízo de primeiro grau entendeu que o prazo de prescrição, que é de três anos para esse tipo de ação, deveria ser contado a partir do momento em que autora atingiu a maioridade civil. Como a ação só foi ajuizada mais de 15 anos após o vencimento do prazo, foi declarada a prescrição – decisão mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
Manifestação dos danos decorrentes do abuso pode variar ao longo do tempo
O relator do recurso no STJ, ministro Antonio Carlos Ferreira, observou que, embora os danos íntimos do abuso sexual sejam permanentes, sua manifestação pode variar ao longo do tempo, como resposta a diferentes eventos ou estágios da vida da vítima. O magistrado apontou que, muitas vezes, a vítima tem dificuldade para lidar com as consequências psicológicas do abuso e pode levar anos, ou mesmo décadas, para reconhecer e processar plenamente o trauma que sofreu.
Por conta disso, para o ministro, não há como exigir da vítima de abuso sexual na infância ou na adolescência que tome uma atitude para buscar a indenização no reduzido prazo de três anos após atingir a maioridade civil. Segundo ele, em razão da complexidade do trauma causado pelo abuso, é possível que, ao atingir a maioridade, a vítima ainda não tenha total consciência do dano sofrido nem das consequências que o fato poderá trazer à sua vida.
“Considerar que o prazo prescricional de reparação civil termina obrigatoriamente três anos após a maioridade não é suficiente para proteger integralmente os direitos da vítima, tornando-se essencial analisar cuidadosamente o contexto específico para determinar o início do lapso prescricional em situações de abuso sexual na infância ou na adolescência”, concluiu.
Vítima deve ter a oportunidade de comprovar quando constatou os transtornos
Segundo Antonio Carlos Ferreira, é imprescindível conceder à vítima a oportunidade de comprovar o momento em que constatou os transtornos decorrentes do abuso sexual, a fim de estabelecer o termo inicial de contagem do prazo de prescrição para a reparação civil.
O ministro ressaltou que a aplicação da teoria subjetiva da actio nata é especialmente relevante no contexto de abuso sexual infantojuvenil. “A teoria subjetiva da actio nata estabelece que o prazo de prescrição para propor ação judicial começa a ser contado do momento em que o ofendido toma ciência da extensão do dano sofrido e de sua autoria. Essa teoria desempenha papel crucial na proteção dos direitos das vítimas, garantindo que tenham a oportunidade de buscar justiça mesmo diante de circunstâncias que inicialmente dificultem o exercício de seus direitos”, declarou o relator ao dar provimento ao recurso especial.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):
REsp 2123047
FONTE: STJ
*Imagem meramente ilustrativa. Disponível repositório Freepik/chandlervid85