Reconhecida usucapião extraordinária de veÃculo furtado após 20 anos de uso por terceiro
22 de novembro de 2019A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso especial do proprietário de um caminhão furtado ao reconhecer a aquisição por usucapião extraordinária em favor de um terceiro, que comprou o veÃculo de boa-fé e exerceu a posse sobre ele por mais de 20 anos.
O recurso teve origem em ação de reintegração de posse do terceiro adquirente contra o proprietário original, cujo caminhão foi furtado em 1988 e recuperado em 2008. Até ser apreendido, o veÃculo estava em posse do terceiro, que o comprou de uma pessoa que aparentava ser o dono, por meio de financiamento bancário, e obteve registro no departamento de trânsito, além do licenciamento regular.
O pedido de reintegração foi julgado improcedente em primeiro grau, mas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais deu provimento à apelação, ao entendimento de que houve usucapião extraordinária pelo terceiro. No recurso especial, o proprietário original do caminhão sustentou que a proteção possessória deveria ser deferida à quele que provasse a propriedade do veÃculo e que não seria possÃvel a usucapião em razão da detenção de bem furtado.
Usucapião extraordin??ária
O relator no STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, lembrou que a Terceira Turma, em acórdão anterior à vigência do Código Civil de 2002, concluiu não ser admissÃvel a usucapião ordinária de veÃculo furtado, pois a posse a tÃtulo precário jamais poderia ser transformada em justa, mesmo que o possuidor usucapiente fosse terceiro que desconhecesse a origem dessa posse.
No entanto, para o ministro, o caso em análise amplia o debate, pois trata da possibilidade de aquisição da propriedade de bem móvel por usucapião extraordinária e sua incidência sobre bem objeto de furto.
O relator afirmou que a posse é protegida pelo direito por traduzir a manifestação exterior do direito de propriedade. “Esta proteção prevalecerá, sobrepondo-se ao direito de propriedade, caso se estenda por tempo suficiente previsto em lei, consolidando-se a situação fática que é reconhecida pela comunidade, sem se perquirir sobre as causas do comportamento real do proprietário”, disse.
Além do transcurso do prazo de prescrição aquisitiva, observou Bellizze, a legislação estabelece tão somente que a posse deve ser exercida de forma contÃnua e sem oposição, conforme os artigos 1.260 e 1.261 do Código Civil de 2002.
“Nos termos do artigo 1.261, aquele que exercer a posse de bem móvel, ininterrupta e incontestadamente, por cinco anos, adquire a propriedade originária, fazendo sanar todo e qualquer vÃcio anterior”, lembrou o relator.
“Nota-se que não se exige que a posse exercida seja justa, devendo-se atender o critério de boa-fé apenas nas hipóteses da usucapião ordinária, cujo prazo para usucapir é reduzido”, afirmou.
InÃci??o da posse
O relator destacou que o artigo 1.208 do Código Civil estabelece que a posse não é induzida por atos violentos ou clandestinos, passando a contar após a cessação de tais vÃcios. De acordo com ele, o furto é equiparado ao vÃcio da clandestinidade, enquanto o roubo, ao da violência.
“Nesse sentido, é indiscutÃvel que o agente do furto, enquanto não cessada a clandestinidade ou escondido o bem subtraÃdo, não estará no exercÃcio da posse, caracterizando-se assim a mera apreensão fÃsica do objeto furtado. Daà porque, inexistindo a posse, também não se dará inÃcio ao transcurso do prazo de usucapião”, disse ao destacar que, uma vez cessada a violência ou a clandestinidade, a apreensão fÃsica do bem induzirá a posse.
O ministro concluiu que não é suficiente que o bem sub judice seja objeto de crime contra o patrimônio para se generalizar o afastamento da usucapião. Para ele, é imprescindÃvel que se verifique, nos casos concretos, se a situação de clandestinidade cessou, especialmente quando o bem furtado é transferido a terceiros de boa-fé.
“As peculiaridades do caso concreto, em que houve exercÃcio da posse ostensiva de bem adquirido por meio de financiamento bancário com emissão de registro perante o órgão público competente, ao longo de mais de 20 anos, são suficientes para assegurar a aquisição do direito originário de propriedade, sendo irrelevante se perquirir se houve a inércia do anterior proprietário ou se o usucapiente conhecia a ação criminosa anterior a sua posse”, afirmou Bellizze.
Leia o acórdão.
Esta notÃcia refere-se ao(s) processo(s):
REsp 1637370
FONTE: STJ