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STJ – Desvio de função: servidores batem à porta do Judiciário para pedir diferenças salariais

O edital de abertura do concurso público, que é considerado a “lei” do certame, descreve a habilitação exigida para o exercício dos cargos e as atribuições correspondentes. Contudo, nem sempre o aprovado é designado para exercer as atividades legalmente previstas para o cargo que assumiu. Nessas hipóteses, fica configurado o desvio de função.

De acordo com o ministro Mauro Campbell Marques, da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), “apenas em circunstâncias excepcionais previstas em lei poderá o servidor público desempenhar atividade diversa daquela pertinente ao seu cargo”.

Conforme lição de José Maria Pinheiro Madeira, “embora a movimentação de servidor esteja inserida no âmbito do juízo de conveniência e oportunidade da administração pública, é certo que os direitos e deveres são aqueles inerentes ao cargo para o qual foi investido” (Servidor Público na Atualidade).

Para o autor, é inadmissível que o servidor exerça atribuições de um cargo tendo sido nomeado para outro, mesmo levando-se em conta o número insuficiente de agentes públicos. Segundo ele, o servidor tem “o direito de exercer as funções pertinentes ao cargo que ocupa, devendo a ilegalidade ser corrigida pelo Poder Judiciário, se acionado”.

Diante de tantos casos que chegam ao Poder Judiciário, em abril de 2009, o STJ editou a Súmula 378: “Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes.” A partir de então, esse entendimento tem sido aplicado por diversos juízos e tribunais.

Retorno

Mas nem sempre as ações ajuizadas dizem respeito à questão financeira. Em agosto de 2013, a Quarta Turma julgou o caso de um servidor do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que desejava simplesmente exercer as atribuições pertinentes ao cargo para o qual foi nomeado (RMS 37.248).

Ele foi aprovado para escrevente técnico judiciário em 1988, contudo, exercia a função de contador judicial – à qual foi designado por meio de uma portaria no mesmo ano em que tomou posse – havia mais de 20 anos.

Antes de entrar na Justiça, tentou retornar ao cargo de origem pela via administrativa, sem sucesso. O mandado de segurança impetrado também foi denegado pelo TJSP. Aquele tribunal considerou que a designação do agente público para o cargo de contador judicial não foi ilegal, nem mesmo violou direito líquido e certo.

Em seu entendimento, o provimento foi fundamentado pelo interesse público, já que o servidor tinha adquirido muita experiência no cargo, e pelo fato de não haver outra pessoa para exercer aquela função sem prejuízo da qualidade do serviço.

Remuneração inferior

No recurso para o STJ, o servidor argumentou que, além de não ter formação em contabilidade, recebia remuneração inferior à de contador judicial, o que, segundo ele, viola os princípios da legalidade, da moralidade e da discricionariedade.

Com base no princípio da legalidade, o ministro Mauro Campbell, relator do recurso, afirmou que “o administrador deve agir de acordo com o que estiver expresso em lei, devendo designar cada servidor para exercer as atividades que correspondam àquelas legalmente previstas”.

Quanto ao caso específico, ele considerou que, apesar do número insuficiente de servidores na contadoria judicial, não é admissível que o escrevente técnico judiciário exerça atribuições de um cargo, tendo sido nomeado para outro. Em decisão unânime, a Turma determinou o retorno do servidor ao cargo de origem.

Diploma

Em outubro do mesmo ano, a Segunda Turma negou provimento ao recurso de um servidor do Paraná que pretendia continuar em cargo de nível superior, no qual atuava havia mais de 20 anos, apesar de ter sido aprovado em cargo de nível médio (RMS 43.451).

Quando ingressou no serviço público, em 1987, ele afirmou que possuía diploma de nível superior e isso foi suficiente para que assumisse o cargo de agente profissional – que exige essa qualificação.

Por meio de processo administrativo disciplinar (PAD), foi constatado que o servidor somente se formou em economia no ano de 2007. O PAD deu origem à decisão administrativa que, em 2011, reenquadrou-o no cargo de origem.

No mandado de segurança impetrado no Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), o agente disse que a administração não poderia mais sindicar e rever o seu enquadramento, porque havia ocorrido a decadência.

O tribunal de segunda instância discordou e afirmou que a administração pública tem o poder-dever de sanar eventual ilegalidade existente, “não estando o ato de revisão, neste caso, sujeito a prazo prescricional”.

Reenquadramento

Segundo o relator do recurso no STJ, ministro Humberto Martins, “está correto o entendimento do tribunal de origem, já que se afigura como caracterizado o ilegal desvio de função por parte do servidor”.

Ele ressaltou que a jurisprudência do STJ orienta que o desvio de função não pode outorgar o direito ao reenquadramento. Além disso, quanto ao processo administrativo, o ministro verificou que foi dado o direito de defesa ao servidor.

“Não há falar em enriquecimento ilícito por parte da administração pública, porquanto nada obriga que o recorrente desenvolva atividades de nível superior, uma vez que o seu enquadramento correto está adstrito ao nível médio”, concluiu Humberto Martins.

Indenização de transporte

Embora o desvio de função não implique direito ao reenquadramento ou à reclassificação, quando o servidor exerce funções alheias ao cargo que ocupa, deve receber o pagamento das diferenças remuneratórias.

Com base nesse entendimento, a Quinta Turma reconheceu que um servidor que atuava como oficial de Justiça deveria receber, de forma retroativa, o pagamento de indenização de transporte correspondente ao período em que esteve em desvio de função (RMS 27.831).

O ocupante do cargo de escrevente juramentado foi inicialmente lotado na comarca de Iconha (ES). Em 2006, ele foi deslocado para Conceição da Barra, no mesmo estado, pois o quadro de oficiais de Justiça precisava de pessoal para dar cumprimento ao grande número de demandas pendentes.

No exercício das atividades de oficial de Justiça, passou a receber a indenização de transporte prevista na Lei Complementar Estadual 46/94, já que utilizava o próprio veículo para executar os serviços externos.

Contudo, em 2007, o pagamento da verba foi suspenso e, além disso, foi iniciado procedimento administrativo para reposição ao erário dos valores que já tinham sido pagos.

Negativa ilegal

O servidor apresentou pedido administrativo para receber os valores até então descontados, mas a administração negou, sob o fundamento de que a vantagem é devida apenas aos ocupantes do cargo de oficial de Justiça.

Inconformado, ele impetrou mandado de segurança com o mesmo intuito e o caso chegou ao STJ. O escrevente afirmou que a negativa de pagamento da indenização de transporte foi ilegal. Sustentou que “não constitui pressuposto para a indenização o exercício de cargo efetivo de oficial de Justiça, mas sim o efetivo exercício das atividades inerentes ao cargo de oficial de Justiça”.

A ministra Laurita Vaz, relatora do recurso, deu razão ao servidor quanto à pretensão de continuar recebendo a indenização de transporte, “enquanto perdurar o exercício das funções atinentes aos oficiais de Justiça, ainda que não seja titular do aludido cargo”.

Imposto de Renda

De acordo com o ministro Castro Meira, já aposentado, “a parcela recebida por servidor público em virtude do reconhecimento judicial do desvio de função ostenta nítida feição salarial, razão por que sobre ela incide o Imposto de Renda, por representar acréscimo patrimonial, base de incidência tributária”.

A mesma posição foi adotada pela Segunda Turma, em março de 2013, no julgamento do recurso especial de um servidor público que buscava o afastamento da incidência do Imposto de Renda sobre valores recebidos por reconhecido desvio de função, entre os anos de 1987 e 1999 (REsp 1.352.250).

Os ministros debateram a respeito da natureza jurídica dos valores pagos ao servidor –salarial ou indenizatória?

Para o ministro Humberto Martins, relator do recurso especial, “quando há desvio de função, caso a remuneração da atividade exercida seja maior do que a da atividade para a qual foi contratado, pode o trabalhador requerer a equiparação salarial”.

O relator explicou que a remuneração recebida com a equiparação tem nítida feição salarial, pois remunera o serviço que foi prestado em igualdade de condições, embora tenha sido o trabalhador contratado para função diversa.

“Reconhecida a natureza salarial da parcela, sobre ela incide o Imposto de Renda, já que representa acréscimo patrimonial, hipótese de incidência tributária”, concluiu Humberto Martins, no que foi acompanhado pelos demais ministros da Turma.

Auxiliar de enfermagem

A União bem que tentou, mas não conseguiu reformar decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que reconheceu o desvio de função de auxiliares operacionais de serviços diversos que exerciam o cargo de auxiliar de enfermagem (AREsp 68.451).

Para a União, tinha ocorrido a prescrição prevista nos artigos 1º e 2º do Decreto 20.910/32, os quais dispõem que as dívidas da União, dos estados e dos municípios prescrevem em cinco anos, contados da data do ato ou fato do qual se originaram, inclusive restituições ou diferenças.

O relator do recurso, ministro Mauro Campbell Marques, concordou com o TRF1 quanto à ocorrência de desvio de função. Por essa razão, aplicou a Súmula 378 do STJ, que garante ao servidor o recebimento das diferenças salariais.

Quanto à prescrição, o ministro se baseou no texto da Súmula 85 do STJ para afirmar que, “em se tratando de desvio de função e não havendo negativa do direito reclamado, o servidor não tem direito apenas às parcelas anteriores aos cinco anos que antecederam a propositura da ação”.

Carga horária

Por meio do Decreto 4.345/05, foi fixada a jornada de 40 horas semanais para os servidores civis do Paraná. Para não contrariar legislação que estabelece jornada de 24 horas semanais para os técnicos de radiologia, devido aos riscos que a atividade causa à saúde, o decreto estabeleceu que as horas restantes fossem cumpridas em atividades administrativas, que não causam risco à saúde.

Para os ministros da Sexta Turma, essa situação não configurou desvio de função (RMS 23.475).

Após o aumento da carga horária, os servidores do estado impetraram mandado de segurança perante o TJPR, mas tiveram a pretensão negada.

No recurso para o STJ, eles defenderam que o decreto fere o direito de exercer suas funções em jornada de 24 horas semanais, “compatíveis, assim, com as atividades que desenvolvem”.

Sustentaram que a exigência prevista no decreto – de complementação das 40 horas semanais com outras atividades – caracteriza desvio de função, conforme previsto na Lei 7.394/85.

Oportunidade e conveniência

Segundo a ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora do recurso, o Decreto 4.345 não extrapola os limites da lei. “A fixação da jornada de trabalho é tema sujeito aos critérios de oportunidade e conveniência do poder público”, disse.

Ela explicou que, embora a lei federal tenha estabelecido jornada de trabalho de 24 horas para os técnicos de radiologia – por ser uma atividade prejudicial à saúde –, isso não significa que o servidor que exerce essa função não possa, nas horas restantes para complementar a carga de 40 horas semanais, desenvolver tarefas correlatas.

Processos: RMS 37248; RMS 43451; RMS 27831; REsp 1352250; AREsp 68451; RMS 23475

FONTE: STJ


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