STJ permite alteração no registro de mulher que não se identifica com o prenome Ana
11 de setembro de 2020Por não verificar risco de descontinuidade da identificação civil, além de constatar a comprovação de justo motivo e a ausência de má-fé, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) para permitir que uma mulher retire parte do seu prenome, passando de Ana Luíza para Luíza, e altere a certidão de nascimento.
A supressão do nome foi pedida pela mulher em razão de ser conhecida em seu meio social e familiar apenas por Luíza. Ela argumentou que não tem identificação com o prenome Ana, o qual lhe causa aversão e antipatia, pois foi registrado pelo pai, com quem não tem vínculo.
O pedido foi julgado procedente em primeiro grau, diante das provas de que a autora da ação é socialmente identificada apenas por Luíza. O juiz também anotou que a autora, na audiência, demonstrou abalo emocional em relação ao prenome.
Ao dar provimento ao recurso do Ministério Público, o TJDFT afirmou que o caso não se amoldaria a nenhuma das hipóteses excepcionais da Lei 6.015/1973 que permitem a alteração do prenome. A autora recorreu ao STJ.
Direito da personalidade
O relator do recurso, ministro Antonio Carlos Ferreira, lembrou que, além da previsão no artigo 16 do Código Civil, o direito ao nome está constitucionalmente garantido pelo princípio basilar da dignidade humana, fazendo parte do rol dos direitos da personalidade.
Segundo ele, em princípio, o nome – composto pelo prenome e pelos patronímicos – é imutável, em razão da necessidade de segurança jurídica nas relações civis. No entanto, o ministro comentou que essa regra não é absoluta, havendo exceções previstas na Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973), a qual também permite ao juiz determinar a alteração do nome, de forma excepcional e motivada (artigo 57).
O relator observou ainda que o artigo 1.109 do Código de Processo Civil de 1973 (artigo 723 no CPC de 2015), ao tratar dos procedimentos especiais de jurisdição voluntária, estabelece que o juiz “não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente ou oportuna”.
“Assim, as exceções ao princípio da imutabilidade, expressamente previstas na Lei de Registros Públicos, são meramente exemplificativas, sendo possível, pela interpretação conjunta do disposto nos artigos 57 da Lei 6.015/1973 e 1.109 do CPC/1973, que o magistrado, fundamentadamente e por equidade, determine a modificação de prenome ou patronímico da parte requerente”, afirmou.
Avaliação subjetiva
Segundo o ministro, o fundamento adotado pelo TJDFT para negar o pedido da autora foi a constatação de que o prenome Ana seria “incapaz de expor qualquer pessoa ao ridículo ou gerar constrangimento ou situações vexatórias, sendo, inclusive, bastante comum e utilizado em nossa sociedade”.
No entanto, Antonio Carlos Ferreira lembrou que a motivação da recorrente para excluir o primeiro prenome não está ligada à plástica ou à sonoridade da palavra, nem tem relação com situação vexatória, mas decorre da falta de identificação e do sofrimento que resulta da escolha feita pelo pai. “Infere-se daí que o constrangimento pode ter causas diversas da meramente estética, e sua avaliação, indubitavelmente subjetiva, deve ser realizada sob a perspectiva do próprio titular do nome”, afirmou.
Para o relator, há justo motivo para a alteração nessas circunstâncias – em especial quando a pessoa é conhecida por nome diverso do constante em seu registro. No caso, ainda há o fato de que a exclusão se limita a parte do prenome, mantendo-se, na essência, o registro civil da recorrente, não havendo risco de descontinuidade de sua identificação.
“O Poder Judiciário, em sintonia com a evolução da sociedade e as mudanças de paradigmas, tem demonstrado a preocupação crescente com o bem-estar do cidadão em relação à sua identidade social. Assume relevância, nas decisões que dizem respeito aos direitos da personalidade, a autonomia da vontade, de como a pessoa gostaria de ser identificada no meio em que vive, seja em razão do sexo, do gênero, da aparência ou de seus dados pessoais – entre eles, o nome”, concluiu.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):
REsp 1514382
FONTE: STJ