TJMG – Antigo proprietário terá de quitar dívidas de carro sorteado em rifa
12 de março de 2014A diarista A.F.V.D., que ganhou um automóvel em uma rifa, conseguiu, por meio de uma decisão judicial, obrigar a dona do veículo a quitar os débitos do bem. A diarista não podia utilizar o carro porque ele estava em situação irregular no Detran e, por isso, não foi transferido para o nome dela. A 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) manteve decisão da 29ª Vara Cível de Belo Horizonte.
Em dezembro de 2009, a empresária L.F.S. pediu que o marido, pastor da Igreja Internacional Despertar da Fé, vendesse rifas de um Gol que pertencia a ela para arrecadar fundos para o projeto Neemias, que visa à construção de uma sede para a igreja. A diarista, que frequentava o templo, comprou um bilhete e foi sorteada. Em 4 de janeiro de 2010, ela recebeu a documentação do veículo e assinou uma declaração de que, após aquela data, teria todos os direitos e deveres sobre o bem.
Ao tentar transferir o carro, A. descobriu que havia débitos de R$ 479,24 em relação ao IPVA, R$ 957 referentes a multas de trânsito e um financiamento com o banco BMG. A diarista afirma que não tinha condição de quitar as dívidas e procurou resolver a situação de forma amigável, mas isso não foi possível. Impedida de utilizar o veículo ou de desfazer-se dele, ela requereu na Justiça o pagamento pendente, no total de R$ 1.436,24, e uma indenização por danos morais.
A empresária alegou que, ao doar o automóvel com a finalidade de angariar valores em prol da igreja, informou que a entidade deveria assumir o ônus de regularizar a situação antes de entregar o prêmio ao vencedor da rifa. Por essa razão, ela seria parte ilegítima na demanda. L. também sustentou que a igreja se comprometeu a cumprir essa exigência, mas a diarista, “com a intenção de mostrar aos amigos e parentes o veículo”, insistiu em levá-lo imediatamente, dizendo que depois o traria de volta. De acordo com a empresária, a mulher nunca o fez, a despeito dos contatos dos representantes da igreja, mas, mesmo assim, a Despertar da Fé regularizou a documentação.
L. questionou, ainda, os valores reivindicados pela diarista, defendendo que o imposto de 2010 deveria ser pago por ela, já que a fiel tornou-se proprietária do carro em janeiro daquele ano.
Em dezembro de 2012, o juiz Geraldo David Camargo, então na 29ª Vara Cível da capital, julgou o pedido parcialmente procedente, condenando a empresária a quitar as parcelas de IPVA e as multas existentes até o final de 2009, e a entregar a documentação de transferência sem impedimentos oriundos de tributos originados até 2009. O magistrado considerou que não havia provas de dano moral sofrido por parte da vencedora do sorteio.
A diarista, argumentando que L. e a igreja abusaram de sua boa-fé e que a conduta das rés lhe causou transtornos, porque as dívidas não tinham sido pagas e ela não podia usar o carro, recorreu ao TJMG.
Analisando o recurso, a relatora, desembargadora Cláudia Maia, destacou que a rifa não autorizada é uma contravenção penal e corresponde a uma loteria ilegal, a qual, como as dívidas de jogo e apostas, não gera obrigação de pagamento nem tem efeitos jurídicos válidos. “Na medida em que o contrato entabulado entre as partes evidencia nítida obrigação natural, não exigível na esfera do direito, eventual inadimplência não pode ser levada à consideração do Judiciário, uma vez faltar o pressuposto da exigibilidade prestacional”, concluiu.
Com base nesse entendimento, a magistrada negou provimento ao pedido e indenização por dano moral, no que foi seguida pelos desembargadores Alberto Henrique e Luiz Carlos Gomes da Mata.
Uma vez que a 16ª Câmara Cível analisou apenas o recurso e a outra parte não recorreu, ficou mantida a decisão de Primeira Instância, que condenou a empresária.
Veja o teor do acórdão e acompanhe o andamento processual.