A atuação dos conselhos de classe e a exigência de registro de empresas e profissionais
6 de julho de 2020O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio de seus órgãos especializados em direito público, tem enfrentado diversas questões envolvendo a exigência de registro de empresas e profissionais nos conselhos que fiscalizam a atividade de profissões regulamentadas.
Em repetidos julgados, o tribunal definiu que a atividade fiscalizatória exercida pelos órgãos classistas, decorrente da delegação do poder de polícia, está inserida no âmbito do direito administrativo, afastando-se a competência da Justiça do Trabalho para essas controvérsias.
Em relação ao regime jurídico aplicável, a corte estabeleceu que é o de direito público, por entender que os conselhos de fiscalização profissional possuem natureza jurídica de autarquia.
No fim do ano passado, nas edições 135 e 136 de Jurisprudência em Teses, a Secretaria de Jurisprudência do STJ divulgou 24 entendimentos relacionados ao tema.
Em casos de grande repercussão, o tribunal analisou controvérsias relacionadas a diversas áreas de atuação profissional, como medicina veterinária, educação física, contabilidade, nutrição e administração.
Veterinários
Ao julgar o REsp 1.338.942, sob o rito dos recursos repetitivos, a Primeira Seção entendeu que, à falta de previsão na Lei 5.517/1968 – que dispõe sobre o exercício da profissão de médico veterinário –, a venda de medicamentos veterinários – o que não abrange a administração de fármacos no âmbito de um procedimento clínico –, bem como a comercialização de animais vivos, são atividades que não estão reservadas à atuação exclusiva do profissional.
Como consequência, o colegiado fixou duas teses cadastradas como Temas 616 e 617 na base de dados do STJ. Segundo os enunciados, as pessoas jurídicas que atuam nessas áreas não estão sujeitas ao registro no respectivo conselho regional de medicina veterinária nem à obrigatoriedade de contratação de profissional habilitado, exceção feita aos estabelecimentos que trabalham com espécies silvestres.
Ficou estabelecido ainda que a contratação de profissionais inscritos como responsáveis técnicos somente será exigida se houver necessidade de intervenção e tratamento médico de animal submetido à comercialização, com ou sem prescrição e dispensação de medicamento veterinário.
Razoabilidade
Na ocasião do julgamento, o relator do recurso, ministro Og Fernandes, destacou que, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), “a limitação da liberdade do exercício profissional está sujeita à reserva legal qualificada, sendo necessária, além da previsão em lei expressa, a realização de um juízo de valor a respeito da razoabilidade e da proporcionalidade das restrições impostas e do núcleo essencial das atividades regulamentadas”.
O magistrado lembrou que é comum pensar na obrigatoriedade de registro nos conselhos de fiscalização das profissões pelo simples fato de uma pessoa jurídica praticar alguma atividade privativa da profissão tutelada. Porém, para ele, o entendimento é equivocado. “Segundo esse raciocínio, se a pessoa jurídica se valesse, em qualquer etapa de sua atividade ou processo produtivo, de profissional sujeito à inscrição no conselho, também deveria realizar o respectivo registro”, comentou Og Fernandes.
No processo analisado pela seção, o Conselho Regional de Medicina Veterinária de São Paulo alegou que o registro das empresas que comercializam animais vivos, rações e medicamentos veterinários se justificaria diante das disposições do artigo 1º da Lei 6.839/1980 e do artigo 27 da Lei 5.517/1968.
O relator, que considerou “genérica e imprecisa” a redação dos dispositivos citados, salientou que “a finalidade dos normativos em questão é justamente promover o controle direto da pessoa jurídica pelo respectivo conselho profissional quando sua atividade-fim ou o serviço prestado a terceiro estejam compreendidos entre os atos privativos da profissão regulamentada, guardando isonomia com as demais pessoas físicas que também explorem as mesmas atividades”.
Educação física
No REsp 1.383.795, a Segunda Turma decidiu que ex-atletas não diplomados em educação física que atuam como treinadores ou monitores de futebol não são obrigados a ter registro no conselho regional de educação física. A relatoria foi do ministro Humberto Martins.
Para resolver a controvérsia, o colegiado analisou tanto a Lei 8.650/1993 – lei específica que dispõe sobre as relações de trabalho do treinador profissional de futebol – quanto a Lei 9.696/1998 – lei geral que regulamenta a profissão de educação física e cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Educação Física.
Em seu voto, o relator destacou que o trabalho realizado pelo profissional de educação física, cujo registro no conselho regional é necessário para o exercício regular da profissão, não se confunde com as atividades desempenhadas por treinadores e monitores de futebol.
“O artigo 3º da Lei 9.696/1998 conduz ao entendimento de que as atribuições dos profissionais de educação física se relacionam, primordialmente, à execução, em seu sentido pedagógico, prático e cinesiológico, de atividades físicas e desportivas”, afirmou.
O magistrado explicou que o artigo 1º da referida lei define que apenas profissionais com registro regular no respectivo conselho regional poderão atuar na atividade de educação física e receber a designação de “profissional de educação física”, não trazendo o dispositivo, explícita ou implicitamente, nenhum comando normativo que determine a inscrição de treinadores e monitores de futebol.
Sem exclusividade
Humberto Martins lembrou também que, em seu artigo 3º, a Lei 8.650/1993 dispõe que o exercício da profissão de treinador profissional de futebol ficará assegurado preferencialmente aos diplomados em educação física ou aos profissionais que até a data do início de vigência da lei tenham comprovado o exercício de funções de treinador por prazo não inferior a seis meses.
Porém, destacou que a lei apenas definiu uma preferência, e não uma exclusividade a tais categorias. “Quanto à profissão de treinador profissional de futebol, a Lei 8.650/1993 (lei específica) em nenhum momento veda o seu exercício aos não diplomados ou aos que não comprovarem o exercício do cargo ou função por prazo mínimo de seis meses.”
“Todos eles – treinadores e monitores de futebol, bem como profissionais de educação física – são auxiliares do Estado no cumprimento do mister previsto no artigo 217 da Constituição Federal de fomentar o desporto, formal e não formal, por ser a sua prática direito de cada um”, acrescentou Humberto Martins.
Outras modalidades
Além do futebol, o STJ já teve que decidir sobre a inscrição nos conselhos de educação física de profissionais ligados a outras práticas cuja classificação era motivo de controvérsias.
Ao julgar o AgInt no REsp 1.602.901, o ministro Sérgio Kukina destacou que “não é possível extrair dos artigos 2º e 3º da Lei 9.696/1998 comando normativo que obrigue a inscrição dos professores e mestres de dança, ioga e artes marciais nos conselhos de educação física”.
Na ocasião, a Primeira Turma negou seguimento a recurso do Conselho Regional de Educação Física do Rio Grande do Sul, que pretendia classificar a prática de pole dance como esporte, para que só profissionais formados na área e devidamente registrados na entidade pudessem dar aulas nessa modalidade.
O conselho alegou que o pole dance, na modalidade fitness, era uma atividade física que não deveria ser enquadrada no conceito de dança ou nas demais categorias que não precisam de registro. Asseverou ainda ser objetivo do pole dance a promoção do condicionamento físico, o que explicaria a necessidade de supervisão de profissional de educação física.
Na origem do processo, profissionais de um estúdio que oferecia aulas de pole dance no Rio Grande do Sul impetraram mandado de segurança depois que o conselho interditou suas atividades por falta de registro.
No mesmo sentido decidiu a Segunda Turma, que, ao julgar o REsp 1.450.564, entendeu pela desnecessidade de inscrição dos professores de artes marciais (karatê, judô, tae-kwon-do, kickboxing, jiu-jitsu, capoeira e outras) nos conselhos regionais de educação física.
Contabilidade
Em julgamento do AgInt no REsp 1.830.687, a Primeira Turma reafirmou a jurisprudência do STJ no sentido de que a implementação dos requisitos para a inscrição no respectivo conselho profissional surge no momento da conclusão do curso.
Com esse entendimento, o colegiado considerou dispensável a submissão ao exame de suficiência de técnicos em contabilidade formados anteriormente à promulgação da Lei 12.249/2010 – a qual instituiu a exigência do exame – ou dentro do prazo decadencial por ela previsto.
Dessa forma, a turma reconheceu a um técnico de contabilidade que concluiu o curso em 1999 o direito adquirido à inscrição perante o respectivo conselho de classe, ainda que o pedido de registro tenha ocorrido posteriormente à data prevista na Lei 12.249/2010.
A Segunda Turma, no REsp 1.434.237, de relatoria do ministro Og Fernandes, também decidiu que “a Lei 12.249/2010 não retroage para atingir o direito adquirido dos que já haviam completado cursos técnicos ou superiores em contabilidade”.
Nutrição
O STJ firmou a tese de que o registro de restaurantes e bares no conselho regional de nutrição e a presença de profissional técnico – nutricionista – não são obrigatórios, pois a atividade básica desses estabelecimentos não é a fabricação de alimentos destinados ao consumo humano, conforme o artigo 18 do Decreto 84. 444/1980, nem se aproxima do conceito de saúde trazido pela legislação específica.
Ao julgar o REsp 1.330.279, interposto pelo Conselho Regional de Nutricionistas da 5ª Região, a Segunda Turma rejeitou o argumento de que, por ter entre suas atividades a produção de alimentos para pessoas, bares e restaurantes deveriam promover o registro na entidade.
O conselho alegou ainda a imprescindibilidade de profissional técnico da nutrição, destacando que é atribuição dele o exercício da função que tenha como objeto a alimentação humana, pois atua no controle de qualidade dos alimentos oferecidos aos clientes.
Atividade-fim
Em seu voto, o ministro relator do processo, Og Fernandes, afirmou que o serviço prestado por bares e restaurantes se encontra ligado ao comércio de alimentos e bebidas, além de oferecer à população opções de lazer e entretenimento.
Ele ressaltou que não se pode entender que a fabricação de alimentos para o consumo humano, tal como previsto no artigo 18 do Decreto 84.444/1980, seja a atividade-fim ou atividade básica de bares e restaurantes, muito menos que se aproxime do conceito de saúde versado pela legislação apresentada pela entidade de classe, visto que não se mostra a preocupação relativa à nutrição e à dietética.
“A conquista dos clientes e o diferencial de cada um dos estabelecimentos no mercado está atrelada muito mais à arte culinária, ligada à atividade gastronômica, bem como ao oferecimento de atrações culturais como apresentações musicais e de dança, transmissão televisiva, entre outros”.
Em relação à presença de nutricionistas nesses ambientes, o relator comentou que é aconselhável, porém não obrigatória, por não haver previsão legal nesse sentido.
“Ademais, tais estabelecimentos já se encontram submetidos ao controle e à fiscalização do Estado, no exercício de seu poder de polícia, notadamente por meio da atuação da vigilância sanitária, responsável por tomar medidas preventivas em termos de saúde pública, atestando as boas condições de funcionamento, inclusive no que concerne à higiene e à preparação de gêneros alimentícios.”
Administração
Em embargos de divergência no REsp 1.236.002, a Primeira Seção definiu que as empresas de factoring convencional não precisam ser registradas nos conselhos regionais de administração, visto que suas atividades são de natureza eminentemente mercantil, ou seja, não envolvem gestões estratégicas, técnicas e programas de execução voltados para o desenvolvimento de empresa.
A relatoria foi do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que lembrou que a fiscalização exercida pelos conselhos profissionais busca a “regularidade técnica e ética do profissional, mediante a aferição das condições e habilitações necessárias para o desenvolvimento adequado de atividades qualificadas como de interesse público, determinando-se, assim, a compulsoriedade da inscrição junto ao respectivo órgão fiscalizador, para o legítimo exercício profissional”.
Ele observou que a Lei 6.839/1980, ao regulamentar a matéria, dispôs que a inscrição deve levar em conta, ainda, a atividade básica da empresa.
No caso analisado pelo colegiado, uma empresa de factoring alegou divergência jurisprudencial entre a Primeira e a Segunda Turma em relação à obrigatoriedade de inscrição das empresas que se dedicam à atividade de factoring nos conselhos regionais de administração.
Sustentou também que a atividade por ela desenvolvida tem natureza eminentemente comercial, referente à compra de títulos de crédito com vencimento a prazo – a qual não se encontra no rol de atividades específicas dos administradores, o que afastaria a obrigatoriedade de registro no conselho.
Em seu voto, o ministro relator ponderou que o tribunal de origem, para declarar a inexigibilidade de inscrição da empresa no conselho regional de administração, analisou o contrato social e concluiu que a atividade desenvolvida é a de factoring convencional, caracterizada pela cessão à factorizadora, pelo comerciante ou industrial, de títulos que representam créditos decorrentes de seus negócios.
“A atividade principal da empresa recorrente, portanto, consiste em uma operação de natureza eminentemente mercantil, prescindindo de oferta, às empresas clientes, de conhecimentos inerentes às técnicas de administração, de administração mercadológica ou financeira”, afirmou Napoleão Nunes Maia Filho.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):
REsp 1338942
REsp 1383795
REsp 1602901
REsp 1450564
REsp 1830687
REsp 1434237
REsp 1330279
REsp 1236002
FONTE: STJ