Cabe à Justiça estadual julgar superendividamento, mesmo com ente federal no polo passivo
20 de julho de 2023A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a competência da Justiça estadual (ou distrital) para julgar processos de repactuação de dÃvidas previstos no artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), mesmo nas hipóteses de um ente federal integrar o polo passivo da demanda.
Para o colegiado, a situação configura uma exceção e não atrai a regra de competência da Justiça Federal prevista no inciso I do artigo 109 da Constituição Federal.
O relator do conflito, ministro João Otávio de Noronha, explicou que as mudanças introduzidas no CDC pela Lei 14.181/2021, entre elas o conceito de superendividamento, exigem uma visão global da pessoa envolvida no ato de consumo, não apenas focando no negócio jurÃdico em exame.
Ele explicou que a natureza do processo por superendividamento tem a finalidade de preservar o mÃnimo existencial e, mesmo antes da introdução deste conceito no CDC, o STJ já acentuava a imprescindibilidade de preservação do mÃnimo existencial nos casos de renegociação de dÃvidas, em consonância com o princÃpio da dignidade da pessoa humana.
O ministro citou precedentes segundo os quais, nos casos de processos de superendividamento, as empresas públicas, excepcionalmente, estão sujeitas à competência da Justiça estadual, em razão do caráter concursal e da pluralidade de partes envolvidas.
“A despeito de o processo por superendividamento não importar em declaração de insolvência, a recente orientação firmada na Segunda Seção do STJ é no sentido da fixação da competência da Justiça estadual ou distrital mesmo quando figure como parte ou interessado um ente federal, dada a natureza concursal”, comentou o ministro ao fundamentar seu voto.
Superendividamento e a necessidade de renegociação de dÃvidas
No caso analisado, o consumidor ajuizou uma ação de repactuação de dÃvidas com base no conceito de superendividamento previsto no CDC. A demanda envolveu várias instituições financeiras, entre elas a Caixa Econômica Federal, e requereu a limitação dos descontos em R$ 15 mil por mês.
Constada a presença da Caixa Econômica Federal no polo passivo, o juÃzo distrital declinou a competência do caso para a Justiça Federal. Por sua vez, o juÃzo federal suscitou o conflito e destacou que a demanda de repactuação de dÃvidas diz respeito à situação de insolvência civil, o que seria uma exclusão à regra prevista na Constituição para a competência federal.
Ao analisar o conflito de competência, o ministro João Otavio de Noronha elencou semelhanças entre o processo de renegociação de dÃvidas com base em superendividamento e o de recuperação de empresas regrado pela Lei 11.101/2005.
Para o ministro, assim como no caso das empresas, a definição de um juÃzo universal se faz necessária no caso da pessoa fÃsica superendividada, pois, ao longo do procedimento, será possÃvel relacionar todos os débitos e os respectivos credores, estabelecendo-se um único plano de pagamento.
“Não há dúvida quanto à necessidade de fixação de um único juÃzo para conhecer do processo de superendividamento e julgá-lo, ao qual competirão a revisão e a integração dos contratos firmados pelo consumidor endividado e o poder-dever de aferir eventuais ilegalidades nessas negociações”, concluiu Noronha.
Leia o acórdão no CC 192.140.
Esta notÃcia refere-se ao(s) processo(s):
CC 192140
FONTE: STJ