Fuga repentina ao avistar a polícia pode justificar busca pessoal em via pública
26 de abril de 2024A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que, se uma pessoa em via pública foge correndo repentinamente ao avistar a polícia, esse fato pode autorizar a realização de busca pessoal; no entanto, a legalidade da medida depende de um exame minucioso, pois ela costuma ser justificada com base apenas no depoimento dos policiais.
A partir desse entendimento, o colegiado negou habeas corpus a um homem que foi preso em flagrante após os policiais, em revista pessoal, terem encontrado drogas em seu poder. De acordo com o processo, ele correu repentinamente na direção de um terreno baldio ao ver o carro da polícia, em atitude que motivou a abordagem.
As instâncias ordinárias rechaçaram a alegação de nulidade da prova obtida na busca pessoal e condenaram o réu por tráfico de drogas. Ao STJ, a defesa reiterou que a revista foi ilegal, pois a fuga não seria motivo suficiente para justificar o procedimento.
Busca pessoal e busca domiciliar têm tratamento jurídico distinto
De acordo com o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, o STJ – alinhado com a Corte Interamericana de Direitos Humanos e com o Supremo Tribunal Federal – tem precedentes que afirmam a necessidade de razões objetivas para a realização da busca pessoal (RHC 158.580 e outros). No caso em análise, acompanhando o relator, a Terceira Seção concluiu que a ação dos policiais foi válida diante da fundada suspeita – motivada pela fuga – de que o homem estivesse na posse de algo ilegal.
Em seu voto, Schietti observou que o tribunal vem rejeitando a validade de buscas domiciliares feitas apenas com base no fato de o suspeito haver corrido para dentro de casa ao perceber a aproximação da polícia. Ele enfatizou, porém, que há uma distinção importante entre busca pessoal e busca domiciliar.
“É bem verdade que buscas pessoais são invasivas e que algumas delas eventualmente podem ser quase tão constrangedoras quanto buscas domiciliares; no entanto, não há como negar a diferença jurídica de tratamento entre as medidas”, comentou o ministro, destacando que a inviolabilidade do domicílio é resguardada expressamente por normativos internacionais e pela Constituição Federal.
“No que concerne às buscas pessoais, apesar de evidentemente não poderem ser realizadas sem critério legítimo, o que a lei exige é a presença de fundada suspeita da posse de objeto que constitua corpo de delito, isto é, uma suspeição razoavelmente amparada em algo sólido, concreto e objetivo, que se diferencie da mera suspeita intuitiva e subjetiva”, explicou.
Fuga é fato objetivo capaz de gerar suspeita razoável
Schietti afirmou que a fuga repentina do suspeito, ao avistar a guarnição policial, não configura, por si só, flagrante delito ou justificativa para flexibilizar a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar.
“Trata-se, todavia, de conduta intensa e marcante que consiste em fato objetivo – não meramente subjetivo ou intuitivo –, visível, controlável pelo Judiciário e que, embora possa ter outras explicações, no mínimo gera suspeita razoável”, disse o relator.
Ainda de acordo com o ministro, o ato de fugir correndo indica bem mais do que gestos sutis como desviar o olhar ou mudar a direção ou o passo ao caminhar – estes, sim, insuficientes para justificar uma suspeição e autorizar a busca pessoal.
Depoimentos dos policiais envolvidos exigem atenção especial
Schietti alertou que, com frequência, em casos como o dos autos, há o risco de os fatos serem distorcidos com o objetivo de legitimar a diligência policial, o que exige um “especial escrutínio” sobre os depoimentos dos agentes de segurança. Para o relator, é preciso afastar “a cômoda e antiga prática de atribuir caráter quase que inquestionável a depoimentos prestados por testemunhas policiais”.
“Diante das premissas estabelecidas neste voto e da ausência de elementos suficientes para infirmar ou desacreditar a versão policial, mostra-se configurada a fundada suspeita de posse de corpo de delito a autorizar a busca pessoal, nos termos do artigo 244 do Código de Processo Penal”, concluiu o ministro.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):
HC 877943
FONTE: STJ
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