Boletim Jurídico – Publicações Online

Boletim Jurídico – Publicações Online
Execução Penal / Notícias

A ressocialização dos apenados como mecanismo de observância ao princípio da dignidade da pessoa humana no Amazonas

RESUMO: Ressocialização do apenado no sistema prisional significa permitir de forma mais branda o seu retorno ao convívio da sociedade. Todavia, o presente estudo tem como objetivo principal descrever como é realizado esse processo de reinserção à sociedade do apenado no estado do Amazonas, visando apontar os programas sociais voltados a ressocialização dos apenados no sistema penitenciário do Amazonas fornecidos pelo Poder Judiciário e sociedade em geral, assim como descrever os benefícios que os apenados recebem dos programas sociais para o efetivo desenvolvimento da ressocialização e, por fim, compreender como a ressocialização pode ser um instrumento de aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana no Estado do Amazonas.

PALAVRAS-CHAVE: Ressocialização; Apenados; Sistema Prisional; Amazonas.

ABSTRACT: Resocialization of the incarated in the prison system means allowing in a more lenient way their return to the conviviality of society. However, the main objective of this study is to describe how this process of reintegration into the prison society in the state of Amazonas is carried out, aiming to point out the social programs aimed at the resocialization of the inmates in the amazon prison system provided by the Judiciary and society in general, as well as to describe the benefits that the inmates receive from social programs for the effective development of resocialization and finally, understand how resocialization can be an instrument of application of the principle of dignity of the human person in the State of Amazonas.

KEY-WORDS: Resocialization; Plucked; Prison System; Amazon.

INTRODUÇÃO

A palavra ressocialização significa socializar-se novamente; voltar a fazer parte de uma sociedade. Este é o conceito base da ressocialização, trazer de volta ao convívio social àquele que por descumprimento das regras de trato social e das leis sofreu uma punição, da qual após ter cumprido, ganha o direito a retornar a sociedade. Assim, a visão de uma nova vida, ou melhor, uma nova oportunidade deve ser encarada como uma via de mão dupla, onde a sociedade e o apenado caminham juntos.

Mas para compreender melhor sobre esse processo de ressocialização, se faz necessário conhecer mesmo que em uma visão menor o sistema carcerário a qual o apenado estar inicialmente inserido. No Brasil, o sistema de punições para os transgressores da lei penal se resume a aplicação de sanções que variam mediante as circunstancias e o grau de gravidade do que foi praticado, tendo como pena maior o afastamento do convívio da sociedade. O indivíduo é levado para uma penitenciária, trancafiado numa cela, excluído do convívio social como uma forma de púnica.

Após o comprimento da sentença, podemos compreender por raciocínio lógico que o apenado está de todas as maneiras desnorteado, como se tivesse parado no tempo. Pois, uma vez inserido no sistema penitenciário, a regra é que o contato com o mundo fora dos muros do local onde se cumpre pena seja totalmente cortado. Assim, o processo de ressocialização visa reeducar pessoas privadas da liberdade para se adequarem às condições e leis da sociedade, como se fosse um período de atualização e renovação de visão para o mundo.

Embora seja um problema social antigo, no século XXI, em meio à era digital onde as informações e a tecnologia ganham cada vez mais espaço no nosso cotidiano, debater sobre este tema é relembrar de um problema antigo que não foi até agora solucionado. Portanto, esta pesquisa visa compreender como funciona o processo de ressocialização no estado do Amazonas, bem como quais são os programas sociais que abrangem esse publico fornecidos ou não pelo Poder Judiciário e quais benefícios esses programas fornecem aos seus usuários, de modo que ao final se tenha uma possível afirmação ou negação após a análise dos dados e resultados coletados para que se possa contribuir com o conhecimento jurídico e a compreensão da evolução da sociedade e do Direito.

Ressocializar é muito mais do que apenas auxiliar no retorno a convivência social, é reeducar e trazer de volta os princípios éticos exigidos na sociedade. Neste processo de retomada de vida, muitos apenados sofrem com a exclusão social, seja pela falta de oportunidade de emprego quanto a falta de um olhar mais humano, pelo erro que cometeram e já pagaram perante a sociedade. Esse sentimento de repulsa que a própria sociedade impõe a cada um desses apenados causa o que se chama de “brecha no sistema” onde se permite que muitos fossem recrutados pelas organizações criminosas. Mesmo no século XXI, onde a tecnologia e a informação imperam na era digital conceitos arcaicos sobre esse assunto ainda se fazem presentes.

É possível vislumbrar esse tipo de atitude em salas de entrevistas de emprego, o qual pelo simples fato da pessoa demonstrar que já frequentou o sistema penitenciário, a vaga não lhe é dada embora este preencha os requisitos solicitados. Torna-se essencial que a sociedade esteja preparada para a inserção dessa população carcerária após todo o cumprimento da sua pena, mas que, todavia, possam ter a oportunidade de reconstruir sua história. Assim, o conhecimento desses programas e a demonstração de seus resultados fazem com que a sociedade possa evoluir e mudar a sua concepção sobre o apenado, dando-lhe uma nova roupagem sobre a ótima do princípio da dignidade da pessoa humana.

1. A RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO NO SISTEMA PRISIONAL: GENERALIDADES E CONCEPÇÕES JURÍDICAS

A palavra ressocialização, segundo o dicionário significa reintegrar uma pessoa novamente ao convívio social, por meio de políticas publicas de inclusão, haja vista que este indivíduo praticou condutas reprováveis pela sociedade. Esta conduta é uma forma de reintegração humanística daqueles que sofreram punição. Para o Direito, a ressocialização é um beneficio ofertado aos apenados com a finalidade de trazer de volta o tempo perdido e a visão de algo melhor pra as suas vidas. Corrobora com esse entendimento Fernando Capez (2014, p. 542):

“[…] Benefício que tem por finalidade restituir o condenado à situação anterior à condenação, retirando as anotações de seu boletim de antecedentes; É um direito do condenado, decorrente da presunção de aptidão social, erigida em seu favor, no momento em que o Estado, através do juiz, admite o seu contato com a sociedade.” (CAPEZ, pág. 542, 2014).

Assim, esta oportunidade tem impactos significativos na vida do apenado, na vida de sua família e principalmente na sociedade em geral, pois uma vez trazendo de volta aquele que se perdeu não corremos o risco de nos depararmos com a reincidência. Quando a sociedade não aborda este aspecto e decide não solucionar esse problema somos diretamente atingidos com os altos índices de criminalidade, de reincidência e até de brechas dadas pelo sistema de segurança pública, dificultando o convívio social, o combate a violência através das ações de repressão policial e até a degradação humana quando confrontados com a realidade do sistema prisional.

A ressocialização e todo o desenvolvimento desse processo são um direito do apenado, levando em consideração a dificuldade enfrentada por estes indivíduos no tocante as oportunidades de emprego, renda, educação entre outros. O ordenamento jurídico brasileiro, precisamente falando sobre a Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984, também conhecida como Lei de Execução Penal, é explicita em dizer que a ressocialização e também a assistência são deveres do Estado com os apenados cujo objetivo é prevenir o crime e orientar o retorno e a convivência em sociedade, conforme acostado nas linhas dos artigos 10, 11, 17, 18, 22, 24, 25, 28, 29, 36, entre outros da referida lei. Porém, é necessário tecer alguns comentários no que tange os artigos 10 e 25 da Lei de Execução Penal:

Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.

Art. 25. A assistência ao egresso consiste:
I – na orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade;
II – na concessão, se necessário, de alojamento e alimentação, em estabelecimento adequado, pelo prazo de 2 (dois) meses.
Parágrafo único. O prazo estabelecido no inciso II poderá ser prorrogado uma única vez, comprovado, por declaração do assistente social, o empenho na obtenção de emprego.

O artigo 10 em comento é o mais plausível possível em afirmar que a assistência é dever do Estado. Isso acontece devido à exclusiva competência de impor uma sanção mediante a quebra da conduta exigida pelos moldes do Código Penal. Portanto, em linhas gerais e simples a ressocialização tem por base a ideia de reingressar, como já dito neste estudo, aquele que após o cumprimento de sua sentença – imposta pelo Estado – a convivência devida e satisfatória em sociedade de modo que através desse instrumento dado pela lei, o apenado possa sair do caminho criminoso.

Medidas simples como o oferecimento de condições de estudo, sem limitações ou exigências por meio de processos seletivos, oportunidades de emprego e renda podem ser citadas como alternativas básicas de ressocialização, uma vez que além do oferecimento dessas condições que garantem a sensação de dignidade permite o efetivo cumprimento do dever social do Estado.

A assistência social aos apenados serve como um termômetro que o Estado possui para saber se aquele ex-detento estar ou não apto a continuar sua vida após o lapso temporal vivido em celas de presídios. Todavia, conforme bem exposto no artigo 25 da lei supracitada que este apenado tenha o interesse e empenho na obtenção de emprego, uma vez que não é somente imposto ao Estado o dever da ressocialização. O estado oferece o apoio e o apenado o empenho em querer mudar.

Diante disso, é uma tese muito seguida pelos tribunais brasileiros a permissão da assistência e da realização do trabalho em regimes de cumprimento de pena. Em sede de agravo em execução, de relatoria do Juiz Carlos Pires Soares Neto, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal julgou o recurso provido e conhecido sobre esse tema:

AGRAVO EM EXECUÇÃO. TRABALHO EXTERNO. ATIVIDADES PRESTADAS FORA DA SEDE DA EMORESA. POSSIBILIDADE. AUSENCIA DE VEDAÇÃO LEGAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO. ÔNUS DO ESTADO NA FISCALIZAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. O trabalho externo além de ser um direito garantido ao preso possui especial relevância para os objetivos da execução penal e ressocialização do apenado, devendo ser concedido sempre que satisfeitos os requisitos legais. 2. A fiscalização do trabalho externo do apenado é ônus do Estado e eventual dificuldade na realização da tarefa fiscalizadora não pode impedir a concessão do beneficio, o qual é fundamental no processo de ressocialização do sentenciado. Precedentes. 3. O fato de as atividades do sentenciado serem, eventualmente, prestadas, fora da sede da empresa não é suficiente pata impedir a concessão do benefício, sobretudo quando o empregador se compromete a fiscalizar e informar ao Juízo, qualquer irregularidade que porventura venha a ocorrer. 4. Agravo conhecido e provido. (TJ-DF 07023609420208070000 DF 0702360-94.2020.8.07.0000, Relator: Carlos Pires Soares Neto data de Julgamento: 14/05/2020, 1ª Turma Criminal, data de publicação: publicação no PJE: 02/06/2020. Pág.: sem página cadastrada).

Com base idêntica e ainda mais explicita sobre o fracasso do sistema prisional, o Tribunal Regional Federal da 4ª região, em sede de Habeas Corpus, a relatora Cláudia Cristina Cristofani deu a seguinte manifestação atual com os dias que vivemos:

HABEAS CORPUS. REGIME SEMIABERTO HARMONIZADO. AUTORIZAÇÃO PARA TRABALHO EXTERNO. RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. […] 4. Diante da grave deficiência estrutural do sistema carcerário brasileiro – o qual constitui um dos maiores desafios dos gestores públicos e da Justiça Penal na atualidade – e da falência do Estado em ofertar estabelecimentos prisionais que sejam capazes de albergar o preso, criou-se o “regime harmonizado”, no qual está inserido o paciente. Com isso, o regime semiaberto harmonizado – forma mais branda de cumprimento das penas – impõe, além de certas condições a ser observada pelo apenado, a monitoria eletrônica, como forma de fiscalização do regular cumprimento da condenação imposta. […] 7. A pena, além de seu caráter punitivo – característica de qualquer sanção penal, a exigir algum sacrifico da parte condenada – tem função ressocializadora, objetivando reinserir o condenado ao convívio comunitário e, nisto, entra o exercício de atividades laborativas. Desse modo, é certo que o trabalho do apenado, dentro ou fora dos presídios, é relevante meio de inclusão social, devendo ser estimulado, a fim de inserir o condenado na sociedade. Ou seja, desde que devidamente regulamentado, não há qualquer empecilho ao exercício de serviço externo. 8. Não se pode olvidar das dificuldades encontradas pelos apenados em obter empregos lícitos, dignos, que lhes dêem sustento, tanto mais em tempo de grave crise econômica, por conta da pandemia da Covid-19, raras são as oportunidades de emprego. Impedir ou prejudicar o gozo de atividades lícitas é impedir a própria reinserção social daquele que um dia delinqüiu e tenta se manter afastado do intento criminoso. […] (TRF-4 – HC: 5057113712020404000 5057113-71.2020.4.04.0000. Relator: Cláudia Cristina Cristofani, data de julgamento: 15/12/2020, sétima turma).

Portanto, diante do até aqui exposto, podemos observar que os tribunais têm trabalhado para proteger o direito a ressocialização dos apenados do sistema carcerário brasileiro. A ressocialização vem com o intuito de trazer dignidade de vida ao apenado, principalmente como apoio na luta pós condenação para que este consiga superar os traumas vividos, de modo a se evitar uma possível reincidência. É resgatar a auto-estima e permitir um amadurecimento pessoal, para que esse detento possa efetivamente contribuir de uma forma melhor para a sociedade na qual estar inserido, cooperando para que haja uma melhora na sua própria vida.

2. PROGRAMAS SOCIAIS DE RESSOCIALIZAÇÃO DOS APENADOS NO SISTEMA PRISIONAL DO AMAZONAS

Depois de delimitado as linhas gerais sobre a ressocialização, temos como base sólida de que esse instrumento é o meio eficaz de reinserção do apenado novamente a sociedade, mediante o oferecimento de condições míninas de desenvolvimento como educação, emprego e renda. Todavia, fazem-se necessárias notas introdutórias sobre a realidade do sistema carcerário principalmente no que tange o sistema prisional do Amazonas.

O Amazonas, como na maioria dos estados brasileiros possui uma população carcerária diversificada e lotada. Como se não bastasse os problemas sociais pela ineficácia do acesso a cultura e a educação, o estado enfrenta as constantes guerras e conflitos pela disputa de territórios do trágico de drogas e facções que se instalaram na periferia da capital e se estendeu aos municípios da região metropolitana e interior do estado.

Devido a somatória de todos esses problemas tem como resultado uma população carcerária repleta de jovens que são recrutados pelas facções para a prática de diversos crimes e que devido a esses crimes adentram o sistema prisional amazonense. Em relatório consolidado, o Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, em um levantamento de dados de julho a dezembro de 2019, contabilizou um total de 12.069 presos.

Mais de 12 mil pessoas que adentraram o sistema penitenciário, dos quais após o cumprimento da sua pena retornaram ao convívio da sociedade. É nesse ponto que uma grande interrogação para os apenados e para o próprio Estado surge: como retornar à sociedade? Diante dessa situação, políticas públicas vêm sendo inseridas cada vez mais ao sistema prisional já com o intuito de melhorar o retorno a sociedade cujo objetivo principal é evitar a reincidência.

Programas sociais de mútuas parcerias entre o Poder Judiciário e entidades ligadas ao Estado estão sendo fornecidos aos apenados antes, durante e depois de adentrarem ao sistema prisional. O Sistema Prisional amazonense possui como suporte programas social de inclusão dos apenados em diversas esferas da sociedade. Estes programas visam ressocializar, profissionalizar e permitir oportunidade de emprego e renda sem a discriminação que os apenados sofrem por possuir antecedentes criminais.

Muito mais que uma desculpa para que esses seres humanos possuam um motivo para largar o “mundo do crime” é uma forma de permitir que cada apenado tenha uma visão muito mais ampliada, fornecendo a cada um deles conhecimento suficiente para que com seu próprio esforço queiram viver de uma forma correta perante a sociedade. Estes programas são: projeto reeducar, trabalhando a liberdade e projeto começar de novo. Todos têm como objetivo principal afirmar que os apenados depois de cumprida a sua sentença pode viver de forma digna longe das amarradas da violência e do crime organizado.

O projeto reeducar abrange os apenados com sentença ainda em aberto, ou seja, aqueles processos que ainda não possuem sentença de transitado em julgado. Trata-se de desenvolvimento de ações de responsabilidade social, com apoio psicopedagógico aos apenados especialmente aqueles beneficiados com liberdade provisória. Um dos maiores benefícios deste projeto é o restabelecimento do convívio com a sociedade e com a família.

Trabalhando a liberdade é um projeto criado em 2019 pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciaria – SEAP. Este projeto tem como visão o uso da mão de obra carcerária em reformas e manutenções dentro e fora das unidades prisionais do estado do Amazonas. Com uma prévia seletiva de detentos, observando todos os aspectos psicológicos, comportamental e social, esses internos podem ter, ao participar desse projeto, o beneficio da remissão da pena onde há a troca de diminuição de um dia de pena a cada três dias trabalhados. Além disso, também há a capacitação, educação e socialização dos presos com o intuito de desenvolver suas habilidades laborais para que possam ser executadas quando alcançarem o término de sua pena. O principal objetivo do projeto é evitar a retroalimentação dos ciclos da criminalidade de modo que não haja reincidência e assim se diminua as taxas de ocupação do sistema penitenciário.

O projeto começar de novo, é um projeto do Conselho Nacional de Justiça que foi criado pela Resolução n.° 96 de 2009. Possui como objetivo integrar os órgãos do Poder Público e da sociedade civil no processo de execução penal, compreendendo a reinserção do apenado ao convívio social. Este programa viabiliza a oportunidade de emprego e renda através das empresas parceiras e capacitam os apenados através de cursos oferecidos para que se tenha como resultado a diminuição dos índices de criminalidade, bem como criar um impacto direto na questão da segurança pública.

Assim, com esses projetos alimentados pelo Estado e sendo ofertado pelo Poder Judiciário aos apenados, o processo da ressocialização pode acontecer de forma frutífera, alcançando índices que futuramente serão satisfatórios haja vista que uma vez permitindo uma devida retomada de vida, esses apenados possam nutrir dentro de si a ideia de dias melhores saindo da criminalidade.

3. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA APLICADO AO PROCESSO DE RESSOCIALIZAÇÃO

O princípio da dignidade da pessoa humana pode ser considerado um dos princípios constitucionais elencados como fundamento do Estado Democrático de Direito, inclusive expresso no inciso do art. 1º da Constituição Federal de 1988. Trata-se de um valor moral, um conjunto de direitos inerentes à pessoa, ou seja, todos sem qualquer distinção de nacionalidade, sexo, gênero ou outros aspectos são dotados deste preceito, o qual possui um status máximo no ordenamento jurídico. Paulo Lépore (pág. 39, 2020) nos narra sobre esse princípio:

Da analise da múltipla função da dignidade da pessoa humana pode-se perceber sua vocação para proporcionar uma proteção integral à pessoa, com respeito às individualidades e peculiaridade de cada ser humano. Dai porque o conteúdo da dignidade deve ser dotado de especial elasticidade, para que realmente seja instrumento de transformação social e emancipação do ser humano. (LÉPORE, pág. 39, 2020)

Assim, devemos ter como concepção básica que este princípio transcende os limites territoriais abrangendo todos os seres humanos de forma geral. Isso nos permite concluir que se são todos os seres humanos, logo os apenados sejam eles em fase de cumprimento de sentença ou já com a sentença cumprida são abrangidos por esse principio que é à base da nossa sociedade, a sociedade brasileira.

Diante disso, logo podemos compreender que a ressocialização, ou seja, a oportunidade de emprego, renda e uma nova perspectiva de vida é a perfeita subsunção deste principio com os apenados, pois além de ser um instrumento de aplicação entre o caso concreto e a norma jurídica é uma forma de viabilizar aquilo que um dia a sanção restringiu. Para René Ariel Dotti (2002, p.613) a ressocialização:

É medida de Política Criminal, consistente na restauração da dignidade social e na reintegração do condenado ao exercício dos direitos e deveres sacrificados pela sentença. Nessa definição deve-se ter em linha de análise depois aspectos distintos: a) a declaração judicial de recuperação do exercício de direitos, interesses e deveres e da condição social de dignidade do ex-condenado; b) o asseguramento do sigilo dos registros sobre o processo e a condenação. (DOTTI, pág. 613, 2002)

Diante disso, a dignidade social e reinserção do apenado também é papel da sociedade. De nada adianta apenas o Estado saber que existe esse processo sem estimular seu efetivo desenvolvimento, isso se faz através de políticas públicas de incentivo para que empresas, escolas e toda a sociedade tomem parte dessa construção desse processo.

O incentivo aos primeiros passos após a prisão é crucial para que o apenado não reincida no crime. Seja através de uma oportunidade de emprego, como a possibilidade de novas abrangências de horizontes demonstra o quanto esse apenado pode ser bem vindo na sociedade, afinal de contas o mesmo já pagou tudo que devia perante a justiça. Todos devem tomar parte desse processo e acolher, garantindo uma nova chance.

Portanto, a ressocialização é o instrumento de garantia da efetiva aplicação do principio da Dignidade da Pessoa Humana para todos os apenados, uma vez que permite não apenas um recomeço, mas oferta oportunidades que antes não se foram possíveis de alcançar como a qualificação profissional. É uma forma simples de reintegrar à sociedade mão de obra capacitada e tornar mais nítida a importância de reeducar para que a reincidência não impere novamente.

CONCLUSÃO

A ressocialização é um processo que com a interação de todos pode ser cada vez mais eficaz, haja vista a dimensão de fatores que estar envolvida. Ressocializar é muito mais do que apenas auxiliar no retorno a convivência social, é reeducar e trazer de volta os princípios éticos exigidos na sociedade. Neste processo, como já dito em todo o estudo, muitos sofrem essa fase de adaptação e se não forem acolhidos corremos enquanto sociedade falhar e logo a reincidência aumenta, gerando o efeito da impunidade como costumamos ver nos sites e jornais policiais.

Mas não somente como uma forma de reinserir, a ressocialização é um instrumento de garantia dos direitos do apenado. É a forma mais simples e significativa de promover a dignidade, principio este que estar esculpido nas linhas do nosso sistema jurídico através da Constituição. É um instrumento de inserção real dos princípios e normas do Direito na sociedade como um todo, não apenas de um mundo utópico, colocado em prática.

Diante de todo o exposto, podemos concluir que a ressocialização é uma das mais fortes e importantes armas para se combater a reincidência, que como já dito, afeta diretamente a sociedade em geral através da sensação de impunidade. Uma vez ressocializado, o mundo da criminalidade não tem mais glamour para o apenado que pode viver tranqüilamente com sua família e tudo que construir de forma honesta. Não é mais vantajoso viver em uma vida fora das regras impostas a todos, pois permite que esse apenado, uma pessoa que experimentou os dois lados da moeda, possa saber que escolher o certo valerá muito mais a pena.

Assim, estimular políticas públicas, parcerias entre escolas, faculdades, instituições de ensino técnico que garanta uma formação escolar decente e profissionalizando aliada com oportunidades de emprego e renda, não é apenas ajudar – dar uma esmola – mediante o erro do sistema, mas é garantir dignidade e contribuir de modo indireto para uma sociedade local mais segura haja vista que não haveria mais vontade de participar de um mundo do qual não se tem mais vantagens. É, em todas as esferas e circunstancias, resgatar a vida de uma pessoa, sem julgamentos, mas ofertando uma segunda chance, que pode ser muito preciosa.

Portanto, neste estudo buscou-se apresentar os programas que fazem parte da ressocialização, demonstrando o trabalho realizado com os apenados do sistema prisional do estado do Amazonas. Fortificou-se a ideia de que a ressocialização é um instrumento de aplicação do principio da dignidade da pessoa humana através de uma abordagem clara e objetiva, além de demonstrar a importância desse princípio para a vida dos apenados pautando na lei as responsabilidades e circunstancias caracterizadoras desse direito.

REFERÊNCIAS

BECCARIA, Cesare. DOS DELITOS E DAS PENAS. 1. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

BOBBIO, Norberto. ERA DOS DIREITOS. 8. ed., Rio de Janeiro: Campus Ltda, 1992.

CALHAU, Lélio Braga. A “RESSOCIALIZAÇÃO” DE PRESOS E A TERCEIRIZAÇÃO DE PRESÍDIOS: IMPRESSÕES COLHIDAS POR UM PSICÓLOGO EM VISITA A DOIS PRESÍDIOS TERCEIRIZADOS. Disponível em: <http://www.novacriminologia.com.br/artigos/leiamais/default.asp?id=2049>. Acesso em 24 de novembro de 2020.

CAMPOS, Teresinha de Jesus Moura Borges. A eficácia das Penas Alternativas. Teresina: Associação Piauiense do Ministério Público, 2005.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral 1. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

CAVALCANTI, Álvaro Renan Rodrigues; O PAPEL DA SOCIEDADE SOBRE A INCLUSÃO DO EX APENADO NO MERCADO DE TRABALHO. 2014. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/o-papel-da-sociedade-sobre-a-inclusao-do-ex-apenado-no-mercado-de-trabalho/127899/>. Acesso em: 24 de novembro de 2020.

CRESPO, Aderlan. CURSO DE CRIMINOLOGIA: AS RELAÇÕES POLÍTICAS E JURIDICAS SOBRE O CRIME. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

CRUZ, Roberto Moraes; ROVINSKI, Sonia Liane Reichert. PSICOLOGIA JURIDICA: PERSPECTIVA TEÓRICAS E PROCESSOS DE INTERVENÇÃO. 1.ed. São Paulo: Vetor, 2009.

DOTTI, René Ariel. Bases e Alternativas para o Sistema de Penas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998
——————————–. Curso de Direito Penal: parte geral.1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

FERREIRA, Carlos Lélio Lauria. VALOIS, Luís Carlos. SISTEMA PENINTÊNCIÁRIO DO AMAZONAS. 1.ed. (ano 2006), 2ª reimpr. Curitiba: Juruá, 2010.

GIL, Antonio Carlos. MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA SOCIAL. São Paulo: Atlas, 1999.

GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de. CRIMINOLOGIA. 8.ed. reform. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

GRECCO, Rogério. Direito penal do equilíbrio: uma visão minimalista do direito penal. 4 ed. Niterói-RJ: Impetus, 2009.

LÉPORE, Paulo; DEL PRETI, Bruno. Manual de Direitos Humanos. Salvador: Editora JusPodivm, 2020

MINAYO, Maria Cecília Sousa. O DESAFIO DO CONHECIMENTO. São Paulo: Hucitec, 1993.

NETO, Manoel Valente Figueiredo. A RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO NA REALIDADE BRASILEIRA: PERSPECTIVAS PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS. 2016. Disponível em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6301>. Acesso em: 24 de novembro de 2020.

POETA, Pássaro. REFLEXÕES SOBRE O DIREITO DOS APENADOS. 2010. Disponível em: <http://www.recantodasletras.com.br/artigos/2590972>. Acesso em: 24 de novembro de 2020.

TJ-DF 07023609420208070000 DF 0702360-94.2020.8.07.0000, Relator: Carlos Pires Soares Neto, data de Julgamento: 14/05/2020, 1ª Turma Criminal, data de publicação: publicação no PJE: 02/06/2020. Pág.: sem página cadastrada. Acesso em <HTTP://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=ressocialização> no dia 08/04/2021 às 16:52h.

TRF-4 – HC: 5057113712020404000 5057113-71.2020.4.04.0000. Relator: Cláudia Cristina Cristofani, data de julgamento: 15/12/2020, sétima turma. Acesso em < HTTP://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=ressocialização> no dia 08/04/2021 às 17:47h.
ZACARIAS, André Eduardo de Carvalho. Execução Penal Comentada. 2 ed. São Paulo: Tend Ler, 2006.

Artigo escrito por:

Fiama Pereira Ribeiro: Acadêmica de Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA. Email: fiamapereira20@gmail.com

Armando de Souza Negrão: Professor especialista orientador do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA. E-mail: armando.negrao@ulbra.br.

Tags: Artigo

Vantagens Publicações Online

Siga nosso twitter Acesse nosso facebook Fale Conosco