Boletim Jurídico – Publicações Online

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Código Penal / Notícias

Homem é condenado a 125 anos de prisão por estuprar a própria filha

Quando tinha apenas 11 anos, Luísa* começou a ser estuprada pelo próprio pai, com quem teve quatro filhos ao longo da adolescência e início da vida adulta. O contexto familiar de extrema pobreza e baixa instrução escolar contribuiu para formar uma atmosfera de medo em torno da figura paterna, encarada como única provedora do lar. Após mais de uma década de abusos silenciados, a jovem conseguiu se desvencilhar e, enfim, denunciar às autoridades. Como resultado, seu genitor – hoje com 52 anos – foi preso e julgado, tendo recebido pena de 125 anos, 8 meses e 27 dias de reclusão. A mãe, que foi omissa quanto às relações sexuais incestuosas recorrentes, também, foi condenada a 46 anos, 7 meses e 15 dias. Ambos terão, ainda, de pagar R$ 200 mil de indenização por danos morais à vítima.

A sentença é do juiz Gustavo Braga Carvalho (foto à direita), da comarca de Itaberaí, a cerca de 90 quilômetros de Goiânia. Para a dosimetria penal, o magistrado observou a continuidade delitiva, sem, contudo, aplicá-la integralmente de forma genérica aos 12 anos de violência sexual vividos por Luísa, entre 2002 e 2014.

Para atingir o total de 125 anos de reclusão impostos ao agressor, foram somados quatro longos períodos de tempo de abusos sexuais, verificados por meio de depoimentos e de seis gestações da vítima, incluindo dois abortos espontâneos e exames de DNA que verificam a paternidade dos bebês de Luísa. “A aplicação da continuidade delitiva, de forma genérica, neste caso, seria mais benéfica ao réu. Foi preferível ao caso a individualização das condutas autônomas empenhadas a fim de se resguardar o direito da vítima de exigir uma punição a um grau proporcional, determinado pela extensão de cada crime”, explicou o juiz.

Continuidade delitiva

Quando um réu comete um ou mais delitos da mesma espécie, repetidas vezes, – nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução – configura-se crime continuado, conforme dispõe o artigo 71 do Código Penal. Dessa forma, aplica-se a pena mais grave, aumentada de um sexto a dois terços.

Contudo, no caso em questão, o magistrado ponderou que a continuidade delitiva seria mais branda ao réu. “(é preferível ao caso) a individualização das condutas autônomas empenhadas a fim de se resguardar o direito da vítima de exigir uma punição até um grau proporcional, determinado pela extensão de cada crime”,

Apesar de os abusos ocorrerem por um longo período de tempo, houve algumas breves pausas temporais, como pode observar o Gustavo Carvalho, por meio dos depoimentos da vítima. “Nota-se, de forma clara, períodos de cessação delitiva. Ali, com apoio no diário escrito pela jovem, onde ela especifica datas e, inclusive, os locais das agressões, torna-se passível a determinação mais precisa das séries de crimes praticados pelo réu no curso de tempo examinado separadamente”.

Para considerar que os períodos de abuso sexual apesar de ocorrerem em longo intervalo, sofreram interrupções temporais, o magistrado analisou o início dos atos, em 2002, a série de abusos diários, sob violência e ameaças de morte até a primeira gravidez, em 2006, quando Luísa foi submetida à força a uma tentativa frustrada de aborto, por meio da ingestão de substâncias naturais que supostamente induziriam a menstruação. Até, praticamente a data próxima do parto, os estupros foram contínuos, seguiram após o resguardo, emendaram com uma segunda gravidez e perduraram até 2010. Após o nascimento do segundo filho, os abusos cessaram por alguns meses, mas voltaram a acontecer tempos depois, assim sucessivamente.

Dessa forma, Gustavo Braga Carvalho descreveu a conduta do acusado como “séries de crimes em concurso material entre si, pois, como já debatido, desempenhou várias condutas delitivas no fluxo de tempo, às vezes de forma continuada, outras de forma autônoma”.

Condenação da mãe

A mãe tinha conhecimento dos atos inadequados do marido, mas não participava ativamente dos abusos. Contudo, a mulher falhou no dever de resguardar os direitos da filha. Segundo avaliou o juiz, era plenamente possível que a acusada sempre soubesse das atitudes do companheiro, que começaram durante a infância de Luísa.

“É incontestável a ciência da acusada sobre estupros a que submetidos a filha, bem como sua total inércia no sentido de proteger a liberdade e a dignidade sexuais e psicológica de Luísa, levando à supressão da dignidade e do direito à vida e à segurança pessoal da jovem”, destacou o magistrado.

Assim, o juiz considerou a conduta da mulher como omissiva em relação à filha. “Não cabe falar em coautoria ou participação da genitora nos crimes praticados pelo pai, posto que não houve cooperação entre ambos nas práticas delitivas. Contudo, a mulher deixou de exercer sua obrigação legal de cuidado, proteção e vigilância da filha, inerentes ao poder familiar”, completou o juiz sobre a condenação da ré com base nos artigos 213 e 234-A, e em combinação com 13, parágrafo 2º – todos do Código Penal.

Os quatro filhos de Luísa foram registrados por um amigo da família que sabia da real paternidade das crianças. Ele também foi condenado a oito anos de reclusão, no regime semiaberto, por assumir, falsamente, a paternidade dos bebês e, dessa forma, ajudar a encobrir o crime.

Denúncia

A defesa do réu argumentou que Luísa poderia ter denunciado o pai desde que completou 18 anos, em 2009, mas teria optado por não procurar as autoridades competentes, o que só aconteceu quando a vítima tinha 23 anos de idade. Tal argumento não mereceu prosperar para o magistrado. “Já não cabe mais falar-se de estupro de vulnerável, pois a vítima ostentava seus 18 anos completos quando da ocorrência de condutas. Em contrapartida, apesar de já ter atingida sua maioridade, via-se submissa ao poder de seu genitor, do qual não conseguia se desvincular pela dependência econômica, bem como pelo domínio psicológico por ele exercido, o que a impossibilitava de representar legalmente contra o pai”.

O juiz completou que os crimes contra a dignidade sexual cometidos mediante relação familiar são amparados por jurisprudência quanto ao prazo decadencial diferenciado. “A vítima, em relação de submissão a seu genitor, mesmo após atingir a maioridade, via-se impossibilitada de procurar ajuda em ambiente externo ao lar, ficando de mãos atadas para o exercício de seu direito”. Luísa é um nome fictício para preservar a identidade da vítima. (Texto: Lilian Cury – Centro de Comunicação Social do TJGO)

FONTE: TJGO


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