Boletim Jurídico – Publicações Online

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Código Penal / Notícias

O crime de feminicídio e o combate à violência contra as mulheres: a ineficácia das medidas protetivas

RESUMO: A violência contra a mulher é todo ato que resulte em morte ou lesão física, sexual ou psicológica em mulheres, tanto na esfera pública quanto na privada. Às vezes considerado um crime de ódio, este tipo de violência visa um grupo específico, com o gênero da vítima sendo o motivo principal. Este tipo de violência é baseado em gênero, o que significa que os atos de violência são cometidos contra as mulheres expressamente porque são mulheres. Mas, mesmo com a criação de leis que possibilitam a devida proteção a esse público, bem como a criação de mecanismos que visam garantir a segurança das vítimas desse tipo de violência, não há uma efetiva proteção. Ainda somos bombardeados nas telas de televisões, redes sociais e outros canais de comunicação com notícias de mulheres sendo mortas, o que levou até a criação de um novo tipo penal, o feminicídio. Portanto, o presente estudo tem como objetivo demonstrar o aumento no número de crimes de feminicídio, explicando como esse tipo penal está presente na sociedade brasileira, além de demonstrar como a violência contra a mulher é uma realidade que atinge a todos e como as medidas protetivas de urgência são ineficazes no seu papel de proteger as vitimas de violência doméstica e familiar.

PALAVRAS-CHAVE: FEMINICÍDIO; VIOLÊNCIA; INEFICÁCIA; MEDIDAS; LEI.

ABSTRACT: Violence against women is every act that results in death or physical, sexual or psychological injury in women, both in the public and private spheres. Sometimes considered a hate crime, this type of violence targets a specific group, with the gender of the victim being the main motive. This type of violence is based on gender, which means that acts of violence are committed against women expressly because they are women. But even with the creation of laws that allow the appropriate protection of this public, as well as the creation of mechanisms aimed at ensuring the safety of victims of this type of violence, there is no effective protection. We are still bombarded on television screens, social networks and other communication channels with news of women being killed, which led to the creation of a new type of criminal: feminicide. Therefore, the present study aims to demonstrate the increase in the number of feminicide crimes, explaining how this criminal type is present in Brazilian society, besides demonstrating how violence against women is a reality that affects everyone and how urgent protective measures are ineffective in their role of protecting victims of domestic and family violence.

KEY-WORDS: FEMICIDE; VIOLENCE; INEFFECTIVENESS; MEASURES; LAW.

INTRODUÇÃO

Não é novidade que a violência contra mulheres no Brasil, se tornou algo corriqueiro. Inúmeras notícias narram sobre crimes contra a mulher e muitas vezes nos deparamos com o termo feminicídio que é amplamente divulgado em uma era onde as pessoas estão cada vez mais conectadas simultaneamente. Mas, embora estando no século XXI, ainda existem mentalidades arcaicas que insistem em não evoluir com a sociedade.

Todavia, muito se tem falado sobre esse tema e principalmente sobre o porquê de tantas mortes de mulheres, com índices altíssimos, mesmo sendo o Brasil signatário de vários pactos e acordos de proteção aos direitos humanos das mulheres. Para que se compreendam esses motivos é necessário aprofundarmos a compreensão no tocante o que venha ser esse instituto penal classificado como uma qualificadora e entender os aspectos gerais da proteção das mulheres no ordenamento jurídico brasileiro.

O Feminicídio é uma qualificadora do crime de homicídio, previsto no Código Penal Brasileiro, inciso VI, § 2º, do Art. 121, quando cometido “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. São mortes intencionais e violentas de mulheres em decorrência de seu sexo. Não são eventos isolados na vida das mulheres, porque são resultado das diferenças de poder entre homens e mulheres nos diferentes contextos socioeconômicos em que se apresentam e, ao mesmo tempo, condição para a manutenção dessas diferenças.

Uma das grandes dificuldades para se qualificar os crimes de gênero é a falta de dados oficiais que permita se conhecer o número de mortes de mulheres e os contextos em que elas ocorrem. Com o intuito de fornecer uma ferramenta que contribua para dar visibilidade às ações da Justiça em relação aos crimes contra as mulheres. Essas formas de agressão são complexas, perversas, não ocorrem isoladas umas das outras e têm graves consequências para a mulher.

Qualquer uma delas constitui ato de violação dos direitos humanos e deve ser denunciada. Entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher. A Lei Maria da Penha tipifica sendo essas a violência psicológica, patrimonial, sexual, física, moral, e patrimonial.

Assim, esse presente estudo possui como principal objetivo compreender como o crime de gênero surgiu no Brasil, qual foi o impacto no sistema penal nacional com seu advento. Além disso, apontar os tipos de violência contra a mulher, demonstrando a ineficácia das medidas protetivas existentes na Lei Maria da Penha e, por fim, relatar os danos causados às vitimas decorrentes de violência psicológica e o ciclo da violência com o intuito de trazer um alerta sobre o tema, que é tão atual embora estejamos acostumados a ouvir falar. Tudo isso, utilizando uma linguagem clara e objetiva que busca elencar e mesclar o que a doutrina, a jurisprudência e o que esse autor explica sobre o assunto.

1. O CRIME DE GÊNERO: ASPECTOS ATUALIZADOS E CONTEXTO HISTÓRICO JURIDICO DO FEMINICIDIO NO BRASIL

O crime de gênero pode ser conceituado como toda e qualquer conduta ilícita, tipificada pelo ordenamento jurídico, que cause dano a alguém pelo fato dessa pessoa pertencer a um gênero específico. No caso do Feminicídio, trata-se de um assassinato cometido pelo fato da vítima ser uma mulher, pertencer ao gênero feminino, muitas vezes ocorre com relação de relacionamentos frustrados ou abusivos onde o homem passa a ver a mulher como um objeto de sua propriedade.

Todavia, há divergências entre esse conceito, o que influenciou na criação do tipo penal, um exemplo de divergência de compreensão é o posicionamento de Nucci. Nas palavras de Nucci (pág.768, 2017) “(…) se liga ao gênero da vítima: ser mulher (…) o agente não mata a mulher por ela é mulher, mas o faz por ódio raiva, ciúme, disputa familiar, por sadismo, enfim, motivos variados, que podem ser torpes ou fúteis, podem inclusive ser moralmente relevantes”.

Diante dessa dificuldade de compreensão e concordância sobre o que venha a ser o feminicídio, o próprio Código Penal entendeu como qualificadora e principalmente permite uma definição legal sobre a concepção dessa nova figura penal:

Homicídio simples
Art. 121. Matar alguém:
Pena – reclusão, de seis a vinte anos.
[…]
Feminicídio (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

No Brasil, o feminicídio foi introduzido no ordenamento jurídico nacional através da Lei n.º 13.104 de 2015 que modificou o Código Penal instituindo uma qualificadora para o crime de homicídio, tipificado no Código Penal em seu artigo 121. Assim, em termos legais, o feminicídio trata-se de uma espécie de discriminação violenta de gênero, podendo também ser motivado ou concomitante com violência doméstica. Nesse aspecto, Barros e Souza (2019) nos narra:

Pode ser definido como uma qualificadora do crime de homicídio motivada pelo ódio contra as mulheres ou crença na inferioridade da mulher, caracterizado por circunstâncias específicas nas quais o pertencimento da mulher ao sexo feminino é central na prática do delito (BARROS e SOUZA, 2019).

Para a qualificação do Feminicídio é necessária a superação de duas dificuldades: a equiparação entre os feminicídios e os popularmente chamados de crimes passionais e a demonstração de que as mortes de mulheres são diferentes das mortes que decorrem da criminalidade comum, em particular das mortes provocadas por gangues e quadrilhas.

Uma das grandes dificuldades para se qualificar os crimes de gênero é a falta de dados oficiais que permita se conhecer o número de mortes de mulheres e os contextos em que elas ocorrem. Femicídios ou feminicídios devem ser distinguidos dos crimes de gênero que são praticados contra a mulher em ambientes privados, por abusadores conhecidos de suas vítimas. A exploração das causas e dos contextos em que são cometidos esses crimes e a identificação das relações de poder que levam ao seu acontecimento.

Existem várias formas de feminicídio dos quais é necessário comentar: feminicídio íntimo, feminicídio não intimo, feminicídio por conexão e o transfeminicídio. Essas espécies de crimes violentos praticados contra a mulher verdadeiras formas de desrespeito aos Direitos Humanos que são de direito a todas as mulheres, e, ainda, reforçados nas linhas da Constituição Federal de 1988 cuja afirmação é que todos sem qualquer tipo de distinção têm direito a vida. Todavia, se faz importante conceituar cada uma das espécies supracitada.

O Feminicídio íntimo pode ser conceituado como aquele crime cometido por homens com os quais a vítima tem ou teve uma relação íntima, familiar, de convivência ou afins. Por outro lado o feminicídio não íntimo é aquele praticado por pessoas com os quais a vítima não tinha relações íntimas, familiares ou de convivência, mas com os quais havia uma relação de confiança, hierarquia ou amizade, tais como amigos ou colegas de trabalho, trabalhadores da saúde, empregadores.

Já o feminicídio por conexão, pode ser conceituado como aquele em que pessoas foram assassinadas porque se encontravam na “linha de fogo” de um homem que tentava matar uma mulher, ou seja, são casos em que mãe, filhos, irmãos, amigos e etc. Tentam ou não intervir para impedir a prática de um crime contra uma mulher e acabam assassinados. Podem independer do tipo de vínculo entre a vítima e o agressor, que podem inclusive ser desconhecidos.

Por fim, o transfeminicídio trata-se de uma política disseminada, internacional e sistemática de eliminação de pessoas que se consideram mulheres. Está englobada e relacionada com os termos de transfemicídio e travesticídio se enquadra dentro do termo transgenerocídio, que se caracteriza como a eliminação da população trans, mulheres trans e travestis, motivada pelo ódio e nojo.

Após essa análise e compreensão dos termos e histórico que envolve o feminicídio, pode se traçar algumas diferenças práticas sobre femicídio e feminicídio. O primeiro é gênero enquanto o segundo é espécie. No femicídio é um homicídio em que a vítima foi uma mulher, sem qualquer ligação de gênero. Já o feminicídio é um homicídio contra a mulher em razão de pertencer ao gênero feminino.

Portanto, diante das características que envolvem esse assunto, o processo histórico do feminicídio no Brasil esbarra na Lei Maria da Penha. Considerada a lei mais importante de proteção às mulheres contra a violência doméstica e familiar, ela possui penalizações mais rígidas contra agressores que praticam esse tipo de violência. Com a inserção dessa legislação no sistema penal brasileiro, o feminicídio ganhou mais ênfase tendo em vista que as maiorias dos casos estampados nas redes de jornalismo são de relacionamentos frustrados que terminaram com a morte das mulheres.

2. A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: A REALIDADE BRASILEIRA E A INEFICÁCIA DAS MEDIDAS PROTETIVAS

Não é de hoje que muitos casos de feminicídio e violência contra a mulher estampam os jornais e telejornais brasileiros. São milhares e milhares de casos de mulheres que, muitas vezes, por não quererem continuar com o relacionamento são mortas por homens covardes e violentos. Muitas não são mortas, mas a violência existe de outras formas que deixam marcam eternas na vida das vítimas.

Por muito tempo, as mulheres foram consideradas verdadeiros objetos para o homem. Tiveram que conviver com a discriminação e preconceito, sendo excluídas em vários setores da sociedade, mas que se iniciou dentro de suas próprias casas, no seio de suas famílias. Como veremos adiante, a violência começa com ditames e imposição de como se vestir, onde andar e com quem se relacionar. As vítimas de violência no Brasil, além de serem rebaixadas a uma qualidade de vida inferior, sendo obrigadas a deixar de trabalhar e estudar.

As mulheres são, nesse contexto, atingidas tanto pela violência física, quanto pela violência psicológica, sofrendo graves danos psíquicos. Ademais, a possibilidade de encarar um possível julgamento por parte das pessoas, faz com que a violência se entranhe por todos os lados, destruindo inclusive as relações de coleguismo, amizade e familiares. Isto ocorre, porque muitas das vezes o questionamento à vítima acontece com maior intensidade do que o questionamento ao real culpado. Coloca- se em pauta quais fatores levaram o agressor a cometer o delito, questionando se a vítima poderia ter contribuído para o ocorrido.

Conforme o artigo 5º da Lei Maria da Penha, a violência doméstica e familiar contra a mulher é entendida como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Mas, diante da necessidade de conceituar essas formas de violência o artigo 7º e seus incisos da referida lei trouxe concepções sobre o assunto:

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)
III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Essas formas de violência contra a mulher estão escancaradas e enraizadas na sociedade e na própria cultura brasileira ao idealizar a mulher como um objeto. Além disso, pequenas atitudes podem ser compreendidas como formas de preconceito e discriminação, incentivando os crimes de ódio. Um fator que aumenta os casos de violência é a dependência financeira e emocional das vitimas.

Em março de 2021, um estudo realizado pelo Observatório da Mulher Contra a Violência revela um aumento nos registros de casos de violência contra a mulher durante a pandemia do Coronavírus, que teve sua decretação em nível de pandemia em 2020. De semelhante modo, em matéria estampada pelo G1, mais de 105 mil novas denúncias de violência contra a mulher em 2020 foram registradas, todas realizadas através pelo Ligue 180 e Disque 100.

Em nota técnica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública foi apontado que houve uma queda nos registros de boletim de ocorrência, aumento de 431% nos relatos de brigas entre vizinhos no Twitter entre os meses de fevereiro e abril de 2020. Diante desses dados podemos perceber que a dependência financeira e emocional das vitimas perante seus agressores, são reflexos da violência doméstica. Além disso, o domínio exercido sobre as vítimas por parte dos agressores é uma das condições de diminuição de denúncias e possíveis processos, causando uma sensação de impunidade haja vista que o Estado não age se não for provocado.

Mas mesmo que tenha que ser provocado para agir, a responsabilidade do Estado na proteção dos Direitos Humanos da mulher ainda é dele. Por isso a Lei Maria da Penha, resposta do Estado ao ser recomendado a melhorar sua legislação para proteção das mulheres contra a violência, traz instrumentos de combate a violência. Esses instrumentos estão elencados no rol do artigo 22 da referida lei:

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 ;
II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III – proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e (Incluído pela Lei nº 13.984, de 2020)
VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio. (Incluído pela Lei nº 13.984, de 2020)
§ 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.
§ 2º Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6º da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.
§ 3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.
§ 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5º e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).

Essas medidas de proteção têm o intuito de promover uma sensação de segurança que será garantida pelo Estado. Portanto, pode o agressor, ser retirado a força do lar, do convívio com a vítima, além de ser impedido de chegar perto da mesma para que não se repitam os episódios de violência doméstica. O grande problema é que o Estado não está vinte e quatro horas protegendo a vítima e nem há uma maneira de se manter integralmente a proteção garantida.
Podemos usar como exemplo de ineficácia das medidas protetivas de urgência, a questão da distância mínima que o agressor é obrigado a cumprir sob pena de ser levado preso por descumprimento de medida protetiva. Nesse caso, o agressor fica impedido de chegar perto da vitima e de onde a mesma se encontra por uma distância que é estipulada pelo Juiz.

Acontece que é a própria vítima tem que alertar as autoridades, na pessoa da autoridade policial, se houve ou não o descumprimento da medida. Muitas vezes a vitima não tem nem tempo de alertar, pois é morta. Muitos casos de feminicídio são cometidos com meios que dificulte a defesa da vítima, às vezes o agressor invade a casa da vítima e a mata ou outras vezes age de forma sorrateira sem permitir que a vítima consiga ao menos gritar pedindo socorro. Devido a falta de fiscalização essa medida se torna ineficaz tendo em vista a forma como os agressores agem.

Outro ponto que devemos citar é que além da forma sorrateira que agem, os agressores persegue suas vítimas. A vítima, principalmente se tiver filhos, precisa viver de forma mais natural e calma possível mesmo com seus traumas. Precisa trabalhar estudar, sair de casa e é nessas situações que os agressores se aproveitam para cometer seus crimes. Seja por ciúmes ou instituto de posse, os agressores são violentos e observam de perto suas vítimas e como sabem que o Estado não pode estar presente em tudo e a todo o momento, apenas aguardam a hora certa para atacar.

Daí, podemos concluir que as medidas protetivas de urgência são ineficazes a medida que não possuem fiscalização para seu efetivo cumprimento. Se houver uma mudança na forma de condução das medidas de proteção a vítima, continuaremos nos deparando com casos de ex-maridos que matam a mãe de seus filhos, namorados que não superam a fim de um relacionamento e tantas outras mulheres serão mortas, histórias ceifadas por falta de planejamento e devida proteção.

O primordial é oferecer proteção para as mulheres em situação de violência. Porém, para superar o problema é necessário também transformar o comportamento dos autores, pois a mera punição os tornará ainda mais violentos. A não ser que acreditemos que os autores de violência são todos criminosos irrecuperáveis, vale à pena investir em seu potencial de transformação e apostar na sua capacidade de mudança. Se não encararmos o desafio de transformar os comportamentos violentos e, com isso, buscar a construção da paz, estaremos aprisionando nossos discursos e nossas práticas na órbita da violência.

Com o advento da Lei Maria da Penha, a concepção de que a violência doméstica e familiar deve ser vista como uma das maiores atrocidades realizadas contra um ser humano, sem minimizar qualquer ponto. Todos devem entender que a vida de mulher depende da capacidade de proteção que a sociedade pode oferecer, por isso a medida que começamos a mudar a mentalidade dos filhos homens, logo passaremos a mudar os números elevados de mortes.

Mas enquanto há índices elevadíssimos de casos de feminicídio no Brasil podemos afirmar que ainda vivemos em uma sociedade criada em meio a preconceitos e desigualdades com relação às mulheres, não conseguindo cumprir o que diz o artigo 5° da Constituição Federal, o qual deixa claro que todos são iguais perante a lei, sem qualquer discriminação.

3. DANOS DECORRENTES DA AGRESSÃO PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER E O CICLO DA VIOLÊNCIA

As agressões são constantes no ambiente familiar, na maioria das vezes trazendo consequências psicológicas decorrentes da violência doméstica, na qual as vítimas são, prioritariamente, as mulheres, e os danos à integridade física e mental causam o que chamamos de Transtorno do Estresse Pós-Traumático que pode ser ocasionados na saúde da mulher e na sua vida individual e familiar.

O Transtorno do Estresse Pós-Traumático pode ser considerado como um distúrbio de ansiedade caracterizado por um conjunto de sinais e sintomas físicos, psíquicos e emocionais causados por um episódio traumático que a vítima viveu ou presenciou, como violência doméstica, conflitos graves, aborto, separação conjugal, acidentes, enfermidades e morte súbita de entes queridos. Esse transtorno permanece, pois a vítima tem sempre em sua mente recortes do episódio vivido e essas recordações causam crises de choro ou até mesmo indicio de depressão quando não tratadas desde logo.

Além desses sintomas, existem outros sintomas, como falta de ar, taquicardia, desespero, angústia, sudorese, problemas com o sono, dor de cabeça, tontura, problemas de concentração, afastamento da vida social e hiper excitabilidade. Uma vez não tratados, sintomas como a ansiedade que pode ser causado com esse transtorno pode se desenvolver a níveis mais crônicos e até mesmo causar pensamentos suicidas.

Nem todas as vítimas de violência sofrem de TEPT, mas esses episódios e memórias traumáticas podem se manifestar com outros transtornos, como Fobia Específica, Transtorno do Pânico, Transtornos Somatoformes, Transtorno de Ansiedade Generalizada e depressão. A violência doméstica pode causar sofrimento que afeta o funcionamento cognitivo, a saúde física e as relações interpessoais.

São vários os efeitos negativos que a violência causa na vítima, tanto que devem ser observados de perto. Podemos citar os efeitos cognitivos, emocionais, físicos e interpessoais. Os efeitos cognitivos podem ser caracterizados como a confusão mental, falta de concentração ou dificuldade, dificuldade em tomadas de decisões de forma individualizada, desorientação temporal, a vítima não consegue expressar seus pensamentos de forma clara, não acredita em si própria ou em outros, há perturbações na memória, pesadelos e preocupações em níveis anormais.

Já os efeitos emocionais, podemos citar como a ansiedade, apreensão, sentimentos de culpa, desesperança, sensação de desespero, pânico, excesso de raiva entre outros sintomas que atingem a parte emocional. Os efeitos físicos são caracterizados como o abuso de álcool ou drogas que a vitima faz uso na busca de se evitar sair da realidade que vive em sua mente, há também alterações cardiovasculares, fadiga, fraqueza, dor de cabeça sem explicações ou doença preexistente, estado de alerta, somatização de doenças, desconfortos gástricos entre outros. Por fim, os efeitos interpessoais são os conflitos de relacionamento sociais, isolamento, prejuízos no desempenho profissional entre outros.

Diante do exposto, podemos compreender que além de uma violação a integridade física – que é um direito garantido a todos os seres humanos – a violência doméstica causa danos a saúde da vítima de todas as formas. É de suma importância criar mecanismos mais eficazes que evitem que as vítimas continuem sofrendo nesse ciclo vicioso, pois muitas por estarem presas ao domínio de seus agressores convivem com todos esses transtornos psicológicos.

É um problema grave, os quais não podem continuar deixando se pendurar em meio a sociedade. Uma das formas de mudança estar na mente da sociedade, que precisa compreender e colocar em prática que mulheres não são objetos dos homens, mas sim seres humanos que precisam ser respeitadas em todos os sentidos. Quando começamos com uma mudança de cultura, logo conseguiremos ver os resultados refletindo nos indicadores de violência, dos quais apresentamos nesta pesquisa.

CONCLUSÃO

A violência doméstica e familiar é uma disciplina que não deveria ser tratada apenas juridicamente, pois se trata de um problema social de desestruturação familiar, nos quais unem as condutas infracionais com os problemas psicossociais presentes no indivíduo. Não é apenas sobre a vítima e seus direitos, mas sobre todos os que estão ao redor, atinge crianças, filhos, irmãos, mães e todos que estão direta ou indiretamente envolvidos.

Mesmo que ainda haja discursos de que não é um problema da sociedade, mas sim apenas dos envolvidos temos que entender que uma vítima morta por feminicídio atinge diretamente a sociedade. Para isso, basta pensar no ciclo vicioso que isso se tornar. Se começarmos a pensar pelos filhos que crescem em um ambiente de violência, esses reproduzirão de alguma forma o que virão em casa e, consequentemente, poderão se tornar os próximos agressores.

Usando o mesmo raciocínio, os filhos se tornam órfãos se a mãe for morta. Assim, caberá muitas vezes a própria sociedade arcar através das políticas públicas com os gastos de direitos básicos dos menores órfãos. Também haverá mais pessoas sendo violentada de alguma forma, a mulher sendo vítima direta de diversas formas de violência até que se chegue ao feminicídio e os filhos sofrendo violência psicológica e consequentemente atingirá outras pessoas, pois cada um reage a violência de alguma forma.

É nítido que todos somos iguais perante a lei, porém entender e nos adaptar as diferenças de idade, sexo, religião e raça é essencial. Como seres racionais e inteligentes as condutas deveriam condizer com nossas atitudes, porém nem sempre é assim, alguns sofrem de grandes perturbações emocionais e psicológicas, a mídia expõe atitudes que fazem com que duvidemos da perspectiva de racionalidade. A relação entre homem e mulher, ou como atualmente é comum relação entre o mesmo sexo, deve ser em comum consentimento e respeito recíproco.

Por fim a violência doméstica quando ocorrida e processada deveria ser tratado com interdisciplinaridade, pois não se trata apenas de uma infração e transcrição ao código, mas sim uma violação dos direitos e dignidade humana por parte da vítima e do agressor, haja vista que ambos necessitam de amparo.

Assim, a presente pesquisa buscou verificar respostas sobre a problemática levantada cujas respostas podem ser concebidas em políticas públicas de promoção a educação, a igualdade de gênero e a fiscalização das leis que já existem no ordenamento jurídico brasileiro. Além disso, a melhoria na forma de atuação e fiscalização séria sobre as medidas protetivas de urgência é uma alternativa no devido cumprimento do que o legislador pensou ao criar a lei Maria da Penha, tendo em vista que o mecanismo é uma excelente arma contra a violência contra a mulher mas que falha no efetivo cumprimento. O que não se pode é permitir que tantas vidas sejam ceifadas por motivos tão banais.

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Artigo escrito por:

Carlos Efraim Almeida da Silva: Acadêmico de Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA. Email: Carlos.efarimdireito@rede.ulbra.br

Ingo Dieter Pietzch: Professor especialista, orientador do trabalho de Curso em Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA. Email: ingo.pietzsch@ulbra.br


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