STJ livra usuário que portava droga e foi condenado a sete anos
21 de fevereiro de 2017As estatísticas mostram que a mudança de tratamento promovida pela Lei 11.343/2006 – que aboliu a pena privativa de liberdade para a conduta de porte de drogas para consumo pessoal (artigo 28) – não impediu um incremento substancial das condenações por crime de tráfico de drogas.”
A afirmação foi feita pelo ministro Rogerio Schietti Cruz ao relatar um habeas corpus em que a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) cassou decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que havia condenado um indivíduo a sete anos de prisão por tráfico. No julgamento, foi restabelecida a sentença de primeiro grau que enquadrara o réu no delito de porte de drogas para consumo próprio.
O acusado foi preso em 2015 portando 0,7 grama de crack. O Ministério Público o acusou de guardar, transportar, oferecer e vender drogas, mas o juiz entendeu que não ficou provada a prática de comércio e que o entorpecente era para consumo próprio.
A sentença, ao desclassificar a conduta para porte de drogas para uso próprio, extinguiu a punibilidade, pois o acusado já estava preso preventivamente por cinco meses – punição superior à prevista pelo artigo 28 da Lei de Drogas. O TJRS reformou a decisão, entendendo que o fato de o réu trazer a droga consigo já era suficiente para caracterizar o delito de tráfico (artigo 33).
Questão problemática
Ao analisar o pedido de habeas corpus, o ministro Schietti destacou que a apreensão de apenas 0,7 grama de droga e a ausência de diligências para comprovar a narcotraficância tornaram a condenação “totalmente descabida”. Segundo ele, não há, no acórdão do TJRS, nenhum fato que demonstre efetivamente a prática de tráfico. A única coisa provada no processo é que o indivíduo é consumidor de droga.
Para o relator, o caso é representativo de um problema que não foi resolvido pela nova Lei de Drogas. “A Lei 11.343 não determina parâmetros seguros de diferenciação entre as figuras do usuário e a do pequeno, médio ou grande traficante, questão essa, aliás, que já era problemática na lei anterior (6.368/1976)”, afirmou.
“Não por outro motivo”, continuou o ministro, “a prática nos tem evidenciado que a concepção expansiva da figura de quem é traficante acaba levando à inclusão, nesse conceito, de cessões altruístas, de consumo compartilhado, de aquisição de drogas em conjunto para consumo próprio e, por vezes, até de administração de substâncias entorpecentes para fins medicinais.”
Rogerio Schietti ressaltou que, no ano seguinte à vigência da atual Lei das Drogas, houve um aumento de 38% das prisões por tráfico, e tais estatísticas permaneceram expressivas em todos os anos seguintes, culminando em um aumento de 480% das prisões por tráfico nos últimos dez anos.
Excepcionalidade
Em seu voto, acompanhado por unanimidade pelos demais ministros da Sexta Turma, Schietti lembrou que a jurisprudência considera inviável discutir a desclassificação de conduta criminosa em habeas corpus porque isso geralmente exige o exame de provas, o que não é admitido nesse contexto processual.
Entretanto, o magistrado destacou que o caso julgado é excepcional, pois o indivíduo – primário e com bons antecedentes – foi preso com apenas 0,7 grama de crack e condenado a sete anos de prisão em regime fechado (um ano para 0,1 grama), quando a sentença reconheceu que não havia prova de venda de droga.
Além disso, Schietti assinalou que, para a desclassificação da conduta e o restabelecimento da sentença, não havia necessidade de exame de provas, mas apenas de revaloração jurídica dos fatos já reconhecidos no acórdão do TJRS.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): HC 373364
FONTE: STJ