Tráfico perto de igreja não justifica aumento de pena previsto na Lei de Drogas
10 de junho de 2020A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que as igrejas não podem ser equiparadas aos estabelecimentos previstos no artigo 40, inciso III, da Lei 11.343/2006 para efeito de aplicação da causa de aumento de pena quando o tráfico de drogas é praticado em suas dependências ou imediações.
Com esse entendimento unânime, o colegiado concedeu parcialmente habeas corpus para redimensionar a pena de uma mulher condenada em primeira instância a cinco anos de reclusão por tráfico, mas que teve a condenação elevada em mais dez meses após o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) aplicar a majorante do artigo 40, em virtude de o crime ter sido praticado nas imediações de duas igrejas de Votuporanga (SP).
“Firme na compreensão de que, no direito penal incriminador, não se admite a analogia in malam partem, não vejo como se inserir no rol das majorantes o fato de a agente haver cometido o delito nas dependências ou nas imediações de igreja. Assim, porque a hipótese dos autos não foi contemplada pelo legislador, deve ser afastada a majorante prevista no inciso III do artigo 40 da Lei de Drogas”, afirmou o relator do habeas corpus, ministro Rogerio Schietti Cruz.
Nos termos do dispositivo legal, as penas previstas no artigos 33 a 37 da Lei de Drogas serão aumentadas de um sexto a dois terços se a infração for cometida dentro ou perto de certos estabelecimentos, como presídios, escolas e hospitais.
Movimentação de pessoas
Ao elevar a pena da ré, o TJSP entendeu que, como o local do crime era próximo às igrejas – o que gera maior movimentação de pessoas –, estava configurada a causa de aumento. Segundo o tribunal, a majorante não depende da comprovação de que o tráfico buscava atingir diretamente os frequentadores das igrejas.
O ministro Rogerio Schietti Cruz lembrou que o STJ possui jurisprudência no sentido de que, para a incidência da majorante, é realmente desnecessária a demonstração de que o crime aconteceu dentro dos lugares elencados no inciso III do artigo 40, bastando que tenha ocorrido em locais próximos, em razão da aglomeração de pessoas e de sua exposição ao risco das drogas.
O tráfico em tais lugares costuma ser facilitado – destacou o relator – justamente pelo grande movimento de pessoas; pelo fato de muitas delas, no caso de certos estabelecimentos, estarem em situação de vulnerabilidade, e também pela possibilidade de o traficante passar despercebido.
Reserva legal
Entretanto, o ministro apontou que – por força do princípio da reserva legal – não é permitido em matéria penal, apenas por semelhança, tipificar fatos que se localizam fora do raio de incidência da norma, elevando-os à categoria de crimes.
No mesmo sentido, Schietti disse que, para a doutrina, nas leis penais incriminadoras – nas quais, de alguma forma, sempre há restrição à liberdade do indivíduo –, é inadmissível que o juiz acrescente outras limitações além daquelas previstas pelo legislador.
Na avaliação do ministro, se o legislador quisesse punir de forma mais grave também o fato de o agente cometer o delito nas dependências ou imediações de igreja, teria feito isso expressamente.
Leia o acórdão.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):
HC 528851
FONTE: STJ
*Imagem meramente ilustrativa.